terça-feira, 31 de agosto de 2010

O MUNDO MUDOU


O Henrique morreu! E o mundo mudou. Para nós? Com certeza! E para outros? Também.
O Henrique morreu: E o nosso mundo mudou. E o mundo de outros? De muitos outros?
Também.
O Henrique morreu; A Família mudou? A nossa? Também. O Henrique morreu,
E o cimento do nosso mundo mudou.
E o do mundo de outros? Também.
O Henrique, morreu.
Se tudo mudou, o que somos agora?
Aves a deixar o ninho?
Gaivotas a mudar de rumo?
Cardumes a morrer na areia?

O Henrique morreu.
Mas por ele renovaremos a vida,
Endureceremos o cimento.
O do nosso mundo.
E o do Mundo de outros? Também.

O Henrique morreu. Mas as aves aquecerão o ninho as gaivotas manterão o rumo, os peixes permanecerão no mar.
O Henrique morreu. Mas o Amor renovará o mundo, a família a vida! A nossa. E a de outros.
Também.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

SEM TI


Sem ti.

Olho em frente:
O mar está límpido, azul, transparente.

Sem ti.

Um pouco acima, na linha do horizonte,

O sol vermelho, brilha ofuscante

. Sem ti.
A lua redonda, luminosa, brejeira, enamorada.

Sem ti.

O céu, milhares de pontos brilhantes, estrelado.

Sem ti

A saudade dói no meu peito.

Sem ti.

O meu coração ainda bate.

Mas não respiro,não estou viva,

Neste meu primeiro mês de Agosto

Sem ti..

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

NASCIMENTO RODRIGUES UM HUMANISTA

12 de Abril 2010

Advogado, Ministro, Provedor de Justiça e Estadista
1. Inesperadamente, tive hoje uma triste notícia: faleceu o meu bom amigo Nascimento Rodrigues, um Político com “P” grande, mas acima de tudo um Homem BOM, sempre com uma palavra positiva e de apreço para toda agente. Tinha estado com ele há 1 mês e não esperava ser surpreendido por esta infausta notícia.
Nascido há 69 anos em Angola, especializado em direito do trabalho, homem íntegro, político discreto, poucos sabem que é um social-democrata emérito, nunca sendo referido como um “barão” do PSD (foi Vice-Presidente com Mota Pinto e Pinto Balsemão), naturalmente por ser uma pessoa humilde, mas sempre firme nas suas convicções, sendo um acérrimo defensor do bem comum e da “coisa pública”, orientando-se sempre pelos princípios da liberdade, da igualdade e da solidariedade e pelos valores do trabalho, do rigor, da competência e da honestidade.
Lembro-me dele desde 1977, como assessor jurídico de vários sindicatos e da TESIRESD (Tendência Sindical Reformista), que sempre com ele contou para, juntamente com a Tendência Sindical Socialista, se ter conseguido fundar a UGT (União Geral de Trabalhadores) em 1978.
Lembro-me também do seu grande impulso à concertação social, que então designou por “diálogo social alargado”, quando foi Ministro do Trabalho, em 1981, não tendo dúvidas que foi o melhor Ministro do Trabalho que o país teve, o mesmo se podendo dizer dele como Provedor de Justiça.
E que “feio” foi, para não dizer outra coisa, que a minha educação não permite, com ele já doente, terem-no obrigado os Srs. Deputados a permanecer mais de 1 ano no cargo de Provedor de Justiça, de Maio de 2008 a Junho de 2009… Mesmo doente, aguentou estoicamente mais de 1 ano que o seu sucessor fosse eleito
Obrigado Nascimento Rodrigues
. De advogado a sindicalista, de Ministro a Provedor de Justiça, de Vice-Presidente do PSD a Presidente do Conselho Económico e Social, de Deputado a Representante Internacional da OIT, este político e cidadão exemplar bem mereceu ter sido condecorado com a Ordem de Cristo pelo Presidente da República, pois foram milhares os cidadãos que lhe estão agradecidos, pelo seu empenho em defendê-los contra as prepotências da administração pública, da segurança social e do fisco. Apesar de apenas dispor dos poderes de suscitar a inconstitucionalidade de normas de persuasão e de recomendação, logrou como Provedor de Justiça que fossem reparadas muitas injustiças
2. Perfil
Foi militante do PSD e convidado por Sá Carneiro para deputado pelo círculo eleitoral de Lisboa em 1979, tendo exercido a actividade parlamentar de 1979 1980, de 1982 a 1983 e de 1987 a 91. Na legislatura 1979-80, foi presidente da Comissão Parlamentar do Trabalho.
Em 1981 foi ministro do Trabalho de Pinto Balsemão e realizou missões técnicas nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa como consultor da Organização Internacional do Trabalho.
Exerceu cargos de administração em empresas públicas e privadas e em 1992 foi eleito pelo Parlamento para presidente do recém-criado Conselho Económico e Social, onde permaneceu até 1996.
Casado e pai de cinco filhos, Nascimento Rodrigues foi o primeiro português a ser eleito para a presidência da Conferência Internacional do Trabalho.
Foi consultor no Banco de Portugal e professor de Direito do Trabalho numa universidade privada, em Lisboa, tendo realizado diversos estudos sobre questões relacionadas com a problemática do trabalho e das relações industriais.
Em 2000 foi também eleito como Conselheiro de Estado, recebeu a Ordem de Mérito (Grande Oficial) em 1994, a Légion d´Honneur (Officier) em 1995 e a Grã Cruz da Ordem Militar de Cristo em 2008.
Cessou funções de Provedor em 3 de Junho de 2009, A primeira vez que foi eleito pela Assembleia da República, em 2000, recolheu 162 votos a favor e 46 contra e quando foi reeleito, em 2004, obteve 182 votos favoráveis e sete contra.
Destaco que, antes de cessar funções, pediu a declaração de inconstitucionalidade quanto à forma de cálculo de pensões de reforma num diploma governamental e recomendou ao então Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que repusesse o reporte de rendimentos em sede de IRS anteriormente vigente, para os contribuintes que recebem ordenados ou pensões em atraso de vários anos, em vez de os receberem atempadamente, pois não deviam pagar mais IRS por isso, o que injustamente estava a suceder quando recebiam tudo de uma vez.
Por tudo, bem-haja Nascimento Rodrigues! Os que consigo privaram jamais o esquecerão .





Publicado por Jorge da Paz Rodrigues

domingo, 22 de agosto de 2010

DESCOLONIZAÇÃO

Que história contaremos aos vindouros
nós que fomos como galinhas enxotadas?

Roubaram o horizonte que sonhamos nosso
venderam por trinta dinheiros a esperança
semearam a discórdia e o ódio que não cansa,
- eu por mim já nem ter saudades posso.

Ó gente vil, traidora, acomodada
vendida ao prato de lentilhas
da velha história sagrada…

O fausto amarelíssimo de esplendor passado
ardeu negro e rubro na fogueira dos velhos ouropeis
enfeitai-vos de medalhas de valor desperdiçado
e rasgai da vossa história os velhíssimos papéis.

Ódio sem razão jamais amansa
a inveja não cansa nunca mais,
só o nosso sofrimento não descansa…

Que histórias contaremos aos vindouros
nós, que fomos como galinhas enxotados?
(Poesia de Neves e Sousa, 1976)

sábado, 21 de agosto de 2010

PELA UNIDADE DE PORTUGAL

"É a juventude, que dentro, e em prol desse fito, pode desempenhar uma cruzada decididamente activa, ora colocando, na devida oportunidade, o seu esforço e saber em terras ultramarinas, ora elaborando um contacto amigo - estritamente amigo – com as novas gerações de Alem Mar. Do primeiro aspecto resultará, como corolário, um subsequente incremento daquelas realizações a empreender ainda na nossa multissecular obra, ao passo que, do segundo, se extrairá uma comunhão de sentimentos e um intercâmbio de ideias, que só podem fortalecer a unidade que também deve ligar os jovens portugueses naturais de Ultramar ou da Metrópole.
E não vamos arrimar-nos a uma perniciosa resignação, que nos desvie da importância que, no período actual, o assunto levanta, já porque do caso depende em grande parte, como o frisámos, a unidade de Portugal daquém e dalém mar, já porque a relação entre aquelas gerações se não expandiu ainda num âmbito mais amplo e não colheu os resultados francamente mais vantajosos, que ambas as partes podem dinamizar. Quem quererá restar tão indiferente, que não reconheça acuidade ao problema e não se proponha contribuir para a sua adequada solução?
Ninguém melhor do que a própria juventude, é certo, para agir e propagar, em plano prático, uma autêntica cruzada, de que resulte um muito mais activo estreitamento de relações entre as massas novas metropolitana e ultramarina. Notemos, contudo, que em primeiro lugar, é forçoso oferecer a essa mesma juventude aqueles elementos que permitam tomar consciência do grau avançado, em que se expande a obra que estamos erguendo em parcelas distantes.
Só a partir de um conhecimento mais generalizado será possível à mocidade aperceber-se convenientemente, sem que receios ou indiferenças lhe turvem as ideias, da importância de uma unidade que o futuro há-de chamar a postos e do papel que dentro dela especificamente lhe diz respeito. Ensinemos isso à juventude, antes que seja tarde para o fazermos com pleno êxito.
Antídoto eficaz para o desconhecimento, em que grande parte da mocidade vive sobre os problemas que ao Ultramar estão circunscritos, é essa missão de fé nos destinos da Pátria, campanha que, junto dela, lhe revele a necessidade de preservarmos uma política segura de continuidade ultramarina e o êxito que de uma nova epopeia colonizadora nos adviria seja da fraternal compreensão e amizade das populações nativas, seja até dos resultados frutuosos que, indiscutivelmente os vastos campos do Ultramar nos oferecem.
A nossa África pode ser um mundo: Um mundo largo e farto, onde portugueses de todas as cores labutem, lado a lado, numa magnifica jornada de paz e progresso.
Acreditemos nesse futuro e conduzamos a nova geração, através de uma propaganda activa, a contactar assiduamente com os acontecimentos ultramarinos e a tomar calor pelo incomparável ideal de grandiosidade pátria, que sobre esse Portugal Ultramarino as nossas mentes podem forjar.
Sobre a juventude impende essa responsabilidade moral não pouco pesada, de que é imperioso ela começar tomando consciência: quer pugnando continuamente pelas parcelas que no ultramar enobrecem a parcela estreita que lhes deu vida; quer actuando, numa acção incisiva pelo engrandecimento material e moral do nosso Império; quer estreitando os laços que a essas terras longínquas nos ligam - os seus ombros moços terão que suportar com dignidade, grande parte do conjunto das realizações, a que é impossível furtar-nos com graves consequências.
À consciência de cada português compete analisar o que já fez por essa obra nacional; aos jovens compete levá-la a termo, para honra e proveito da Pátria. Para uns e outros vão as minhas primeiras palavras e o meu esperançado apelo: Pela unidade de Portugal daquém e dalém mar."
Diário da Manhã 15 de Fevereiro de 1959

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

PELA UNIDADE DE PORTUGAL


"Há que assentar nesta ideia básica: aos amplos horizontes que as portas do Ultramar nos abrem, ( e por intermédio dos quais a Pátria tem possibilidade de assumir no concerto das nações um lugar de franca relevância), é necessário passarmos a dedicar aquela quota-parte de especial e concentrado esforço por força da qual eles poderão, cada vez melhor exteriorizar a importância que a sua capacidade encerra já.

Concomitantemente, à valorização e desenvolvimento activo da obra que continuarmos a talhar, corresponderão, por inerência uma vida mais farta para o país e um saldo de perpétua gratidão que à Terra- Mãe ficarão devendo os seus prolongamentos ultramarinos.

Em boa verdade, não vemos que o papel que nos compete perante o ultramar ou a posição de destaque que ele deva vir a exercer no conjunto nacional possam, ser desempenhados a contendo, sem que uma estrutura una e homogénea fique ligando indissoluvelmente terras daquém com as de além-mar. Na solução do problema parte especializada que ele reclama apenas aos técnicos compete: a regulamentação particular, porém jamais se poderá processar com consistência se não partir de uma base sólida cuja elaboração já não diz respeito aos técnicos, mas sim, a cada um de nós, na defesa e propaganda de uma missão única, que uma unidade dos portugueses de cá e de lá possa saber levar a cabo.
A infiltração dos perigos, que se avizinham dos territórios portugueses em África, neles não será capaz de abrir brechas profundas, se lhe conseguirmos opor uma frente coesa, perfeitamente cerrada, resultante da tarefa e do sentido de fraternidade que da própria unidade dependerão. Está aí, porém uma dificuldade que as linhas gerais talvez escondam a importância. É que, assim como, geralmente, os novos imitam os actos dos mais velhos, assim também a unidade – forte e activa – deve partir, primeiro da Mãe – Pátria, como exemplo para as suas parcelas ultramarinas: depois, dos mais velhos como atitude que a mocidade deve tomar como padrão. Inverter os termos das premissas apontadas seria contrariar a ordem natural dos acontecimentos.

Perante o momento conturbado que a África vive, os nossos territórios de Angola e Moçambique – porque os maiores em superfície e recursos – vão viver provavelmente uma era de larga projecção, para cujas consequências, entretanto, é conveniente estarmos prontos. E seja qual for o resultado das convulsões em que o continente negro se debate, a influente acção nacionalizadora, que uma unidade prática e decisivamente vigorosa consiga levar a cabo, só benefícios nos pode trazer, quer furtando o Ultramar a movimentos contrários à nossa índole de cooperação entre raças, quer mantendo-o ligado à metrópole por um elo predominantemente espiritual, que perpetue um bloco onde esteja radicado um sentimento comum de irmandade e onde se fale a mesma língua por todo o sempre. Em suma: uma unidade de seres por uma unidade territorial."

Continua



Publicado no Diário da Manhã ( nº 9933) a 15 de Fevereiro 1959

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Notas Ultramarinas - A ÁFRICA CHAMA POR NÓS

O problema africano, em evidência crescente, voltou a agitar os meios a ele afectos, após os recentes acontecimentos ocorridos em Leopoldville e Matadi, no Congo Belga. As ocorrências citadas, em território confinante com as nossas duas maiores províncias ultramarinas, devem merecer, por parte de todos os portugueses profundamente cônscio de uma Pátria que não se limita ao ocidente da velha Europa, um pouco de reflexão criteriosa, derivada mais da unidade que em plano nacional eles vêm recordar, do que do receio de repercussões de similar natureza que, é bom dizê-lo não afectam a estrutura das parcelas da nossa África. É provável todavia, que nem toda a gente se tenha apercebido devidamente da importância capital que, em ritmo progressivo as nossas unidades ultramarinas representam, designadamente aquelas – Angola e Moçambique – que, por suas possibilidades naturais e das que resultam do esforço humano, melhores fontes de riqueza e de glória podem vir a representar num futuro próximo. Por consequência, é possível também que muitos não tenham adquirido ainda aquele legítimo orgulho que à obra se deve dedicar sem rebuço, razão porque é mister acentuarmos – sem que de tal nos pese o pecado de sermos parciais - a necessidade imperiosa que dos mais humildes aos mais privilegiados impende, em ordem a um maior dispêndio de energias para com a missão que, de antanho encetada, deve ser hoje particularmente incentivada.
Para quem se debruce um pouco sobre o momento titubeante que a África ora atravessa, será grato depreender que, por enquanto, os territórios portugueses daquele vasto continente podem contrapor ao trabalho de sapa que vem minando terras africanas, uma muralha portas adentro da qual se ministram lições da melhor mestria; mal aviado ficará contudo, quem daí comodamente deduzir que livre de perigo futuro está a obra em que nos empenhámos e temos que saber fortalecer os alicerces.
A nossa História demonstra-nos que da jornada ultramarina temos colhido frutos de insuperável valia e mostra que uma propaganda modesta não pôde oferecer ainda uma glória merecida; aqueles estão emoldurando um troféu de que há muito a esperar, mas as páginas de triunfo que as passadas coloniais escreveram, continuam aguardando uma consagração mais adequada ao seu merecimento.
Como pensar pois, que da obra erguida a sua jornada finalizou, já porque frémitos de acirrado nacionalismo estão sacudindo o corpo africano e o lançam em movimentos de imprevisíveis consequências? Do mesmo modo, pior avisado andará quem for deduzindo por ingenuidade, que a nossa acção é por completo imune ao perigo que alastra em roda e ronda aquelas terras, de que cinco séculos de trabalho honroso definiram as fronteiras e marcaram para elas uma posição altamente humanitária. É tão impossível que a Raça venha a perder as suas virtudes colonizadoras – de que adviria o fatal desmembrar de um Império, de que não podemos prescindir jamais sem coarctar o corpo pátrio – como crasso erro seria não reconhecer que o Ultramar tem que ser alvo, hoje mais do que nunca, de uma particular atenção e de um uníssono cerrar fileiras em torno dele, que nos venham a permitir, com êxito, fazer frente a ideias actuantes contra o legitimo direito das nações titulares de territórios africanos.


Henrique Alberto do Nascimento Rodrigues
Diário da Manhã nº 9931 13 de Fevereiro de 1959

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Notas Ultramarinas - A ÁFRICA CHAMA POR NÓS

Introdução

«Notas Ultramarinas» vêm hoje à luz da Imprensa, sem outra intenção que não seja a de difundir, através das suas linhas, alguns elementos concernentes àquela extraordinária missão civilizadora que, em bandas africanas e orientais, Portugal vem talhando, por direito incontestável, de há cinco séculos a esta parte.
Meia dúzia de artigos botados ao papel por pena inexperiente ainda, enfermam eles, antes de mais, de uma virtude e de um defeito:
São escritos por um jovem que nem sequer arribou à porta da vintena de anos.
Defeito porque , correrá, decerto, por essas linhas a que nos abalançamos, a ingénua inexperiência dos que da vida e dos seus complexos problemas não têm a visão, profunda e atilada, que só o tombar dos anos oferece.
Quando a mente não logrou ainda o crisma da lição mestra que é a vida, será porventura ousadia – não o contestamos – ir ao encontro de assuntos que, pela melindrosa importância de que estão revestidos, só a madre que a todos torna experientes permitiria focar com melhor habilidade e maior conhecimento de causa. Mas é, porém, virtude a outra parte. Sempre que a juventude fervilha no sangue das veias, o espírito deixa-se esticar, por irrefreável impulso, até às fronteiras que a pouca idade visiona auspiciosas e vai antecipar-se, através de ideias fartas e bem intencionadas ao cimentado pensar do homem adulto.
Não será assim pecado de maior, permitir à mocidade que ela tacteie hesitante, é certo, na sua profundidade, mas com vivacidade nas suas intenções, aqueles problemas de nível superior, e que o seu feitio curioso busque uma análise mais miúda. «Notas Ultramarinas» hão-de ter nascido, forçosamente dessa inexperiência, por ora sem remédio, e de um sentir ardente que só da mocidade pode brotar.
Vindas de um jovem que é filho do Ultramar, sobre o Ultramar igualmente pretende versar. Vão dirigidas para os novos da minha terra pois sobre eles incidem as primeiras ideias de que se revestem; para todos, porém cujas almas insatisfeitas forjam em sonhos um Portugal engrandecido, são também estas palavras de um moço ultramarino, que se permite chamar-lhes a atenção e requerer o seu especial apoio para os problemas ligados à vida do nosso Ultramar, entre eles, designadamente o que vai constituir o alvo central destas «Notas»: a posição da juventude perante o Ultramar Português e o concomitante aspecto que deve presidir ao contacto entre as gerações do Continente e das terras de Além – Mar. Não é caso que diga respeito exclusivamente aos novos. Ao contrário, é ideia que deve estar presente no espírito de todos nós, merecedora de especial simpatia e de redobrada atenção, pois que, da maneira como a juventude comece a encarar a posição do Ultramar perante o cômputo nacional e do modo como se processem as relações entre as massas novas das parcelas daquele e da metrópole, em muito dependerá – estamos certos – a unidade de Portugal metropolitano e ultramarino.

(continua)

Diário da Manhã nº9931 13 de Fevereiro 1959

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Homenagem a Nascimento Rodrigues


O Henrique nasceu nos longes de África, na Angola que marcou indelevelmente o carácter, moldou a nossa personalidade, marcou o ritmo dos passos e se espelha em tantos dos nossos gestos quotidianos.O Henrique transpôs os umbrais do vetusto Liceu da Huíla, do imaginário Reino de Maconge, nos recuados anos 50 do século transacto, oriundo de Saurimo (?)…
Mais breve o percurso que houvéramos de cumprir, numa ronceira subida da Chela num qualquer “cama-couve”, oriundo da Urbe da Welwítschia, entre a Angra do Negro e as dunas do Namib, extensão informe do Kalahari.
O Henrique, propenso aos Ideais da Justiça, cumpriu o quinquénio da sua formatura na cosmopolita Lisboa.
Nós – para quem o Direito seria só uma das vias para a consecução de um tal Ideal – na incensada Lusa-Atenas, com distintos planos de mundividência, numa convergência assaz interessante.
O Henrique, com uma vida pública notável, foi indigitado Provedor de Justiça. Reunimo-nos de imediato, já que ao Provedor incumbe, como recolector do direito de petição, pugnar pelos interesses e direitos do consumidor, no exercício da sua magistratura de influência.
Nós, na humildade de uma trincheira a que se não confere relevo em País longe dos níveis de tutela que outros bem mais dotados exibem, e com um extraordinário deficit no exercício da cidadania, assediávamo-lo com casos de manifesta agressão ao estatuto do consumidor, mormente os perpetrados pelos monopólios de facto e oligopólios a operar no domínio dos serviços públicos essenciais.
Nem sempre pudemos partilhar das mesmas perspectivas, nem sempre foram convergentes as análises, nem sempre uníssonas as soluções.Mas o Henrique era um Homem sensível, um Homem com uma leitura do Direito iluminada por exigentes preocupações sociais (o direito é para os homens, que não para as coisas), um Homem de convicções, um Homem impoluto, um Homem de carácter.
As diferenças de interpretação ou de aplicação das normas não nos apartaram nem se traduziram em juízos de menos valia da acção do Provedor. No mais que não no específico domínio do Direito do Consumo, cuja cultura mister seria, na perspectiva que perfilháramos, se difundisse pelos quadros da Provedoria.
Tais diferenças não beliscaram sequer a sólida amizade que se forjara nos bancos do agregador Liceu por cuja docência se perfilaram pedagogos da estatura de um Brilhante de Paiva, de um Gastão de Sousa Dias, de um Manuel Viegas Guerreiro ou de um Higino Vieira, de uma Maria Cornélia Teles Grilo ou de um Amaral Espinha, de um Albino de Matos ou de uma Regina Lucas, de um Ramalho Viegas ou um Carlos Negrão, de um Alfredo Lobo das Neves ou de uma Margarida Pinto, para só recordar alguns dos nomes dos que nos projectaram para a vida na placidez da capital da Huíla!O Henrique Nascimento Rodrigues partiu mais cedo.

Publicado em 13 de Abril 2010 por Mário Frota - Blogue Aventar
Fotografia da Igreja de Sá da Bandeira ( Lubango) tirada pelo Henrique em Setembro de 2006.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

CÂNTICO DE GUERRA

A hora das queimadas flamejantes
 Enche de pasmo a noite emudecida…
Toda a floresta, há pouco adormecida
Ergue de espanto os braços suplicantes.
Sobem dos quimbos vozes inquietantes,
E a grita do batuque endoidecida
Arrasta-se em canção enlanguescida
E em convulsões febris e delirantes.
Gritos e chamas, sombras e lamentos…
A estranha sinfonia do sertão
Tem para mim o exótico sabor
Duma oração pagã lançada aos ventos,
Dum fruto agreste, perfumado e são,
Dum cântico de guerra, de ódio e amor.

( J. Galvão Balsa, in «Oiro e Cinza do Sertão,» Angola 1959 )

domingo, 15 de agosto de 2010

Entrevista ao Diário da Manhã


Estamos em 1958, 1959.
Nesta época o Henrique ganha vários prémios, em concursos literários.
Por esse motivo é entrevistado pelo Diário da Manhã no dia 13 de Fevereiro de 1959.
Perguntas da praxe: idade, naturalidade, curso que frequenta etc.
Prefiro o ensaio à ficção. (Quando escrevo) .Diz o Henrique ao jornalista.
Autores contemporâneos que escrevam sobre Angola: «Em poesia prefiro Tomás Vieira da Cruz. Como investigador de aspectos etnográficos tenho em grande apreço Óscar Ribas. Como ensaísta de problemas ultramarinos ponho em primeiro lugar o prof. Adriano Moreira».
Pergunta o jornalista: Interessa-o o Jornalismo?
Resposta: Talvez…
Pergunta: Parece-lhe que no panorama literário português o Ultramar tem o Lugar que merece?
Resposta: Não tem, nem de longe, o lugar que deveria ocupar. Nem na literatura, nem no teatro, nem nos restantes sectores da criação artística. Aliás sinto que é necessário cuidar a sério da formação ultramarina da juventude, do intercâmbio juvenil entre as Províncias de além- mar e a Metrópole.
Pergunta: É pelos vistos, um problema que o interessa?
Resposta: É o problema que considero fundamental, presentemente, no quadro da vida juvenil e até da vida nacional. Considero – repito – que a formação ultramarina da juventude deve prosseguir desde os bancos da escola primária. Ora como actualmente é lamentável o panorama de conhecimentos ultramarinos – e até de interesses – que a nossa juventude patenteia, acho que é um dever de todos nós contribuir para a melhoria desse estado de coisas.
Pergunta: Mais alguma declaração?
Resposta: Não só um pedido a todos os jovens que porventura leiam o que eu disse: interessem-se a sério, pela vida e o futuro do nosso ultramar. Hoje, mais do que nunca, ele merece-nos todos os esforços.

sábado, 14 de agosto de 2010

CONHECI HENRIQUE NASCIMENTO RODRIGUES


«Conheci Henrique Nascimento Rodrigues há cerca de trinta e cinco anos no então PPD. Penso que foi através do meu amigo Mário Pinto. Era uma figura esguia, inconfundível, que aliava o sentido de humor a uma rigorosa consciência da justiça social. Era um social-democrata, profundo conhecedor das questões do mundo do trabalho, e para nós jovens entusiasmados com a tradição trabalhista e social-democrata, leitores sôfregos dos documentos mais avançados sobre as novas gerações de direitos, tornou-se facilmente uma referência. Não podia, afinal, haver o “socialismo democrático”, de que Francisco Sá Carneiro falava desde a sua entrevista a Jaime Gama no “República”, sem a vivência do mundo do trabalho – e esse era o tempo em que procurávamos também ser fiéis à herança do Padre Abel Varzim e do combate do “Trabalhador”, silenciado em 1948, e do sindicalismo cristão da escola da JOC e de Monsenhor Cardijn, bem como do velho Centro de Cultura Operária, em ligação aberta com todo o sindicalismo democrático. Ao lado de Nascimento Rodrigues estavam, entre outros, na luta pela liberdade sindical, pelo diálogo e negociação tripartida, pela defesa dos direitos dos trabalhadores e de uma democracia política com participação permanente dos cidadãos, Mário Pinto, o primeiro ideólogo desses temas (de influência decisiva, com Maldonado Gonelha, na criação da UGT), Alfredo Morgado, José Teodoro da Silva, Carlos Augusto Fernandes de Almeida, Manuel Alpiarça, Furtado Fernandes, Ruben Raposo, Rui Oliveira e Costa, – falando dos primórdios dos primórdios…
Nascimento Rodrigues foi técnico do Fundo de Desenvolvimento da Mão-de-Obra, depois de se licenciar em Direito na Universidade de Lisboa (1964), conhecendo profundamente o Direito do Trabalho. Aliás, a sua carreira de jurista e jurisconsulto foi feita em estreita ligação com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a cuja Assembleia presidiu, tendo sido um consultor qualificado da organização. Foi deputado à Assembleia da República e presidente da Comissão parlamentar de Trabalho (1979-80), foi Ministro do Trabalho do VII Governo Constitucional (1981), de 1992 a 1996 foi Presidente do Conselho Económico e Social e de 2000 a 2009 foi Provedor de Justiça. Teve, assim, uma folha exemplar de servidor público. Conversámos longamente, ao longo de muitos anos, sempre nos encontrámos no essencial dos valores humanos e cívicos.
A memória de Henrique Nascimento Rodrigues está bem presente. Era um amigo, um cidadão de serviço público, um exemplo, alguém que acreditava genuinamente na dignidade da pessoa humana. »
Guilherme d'Oliveira Martins
Publicado a 16 de Abril 2010 no blogue do Centro Nacional de Cultura


quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Praia da Areia Branca. Só o Por do Sol é Eterno


Como sempre, desde há 24 anos, estamos cá todos, na Casa da Takula.
TaKula (ou tacula), é o nome da madeira africana de que são feitas as portadas da nossa casa.
E Casa da Takula ficou por vontade do Pai.
Mas não: desta vez não estamos todos. O Pai não está.
Por mais que a nossa memória o relembre e se espere que, a qualquer momento, ele desça do escritório depois de uma sesta reparadora, ou que suba lentamente a arriba após o seu passeio meditativo, ou que regresse de Peniche onde foi comer as desejadas sardinhas, por mais que esperemos, isso não vai acontecer agora nem nunca mais.
O Pai morreu há quatro meses. De facto, como diz a Sofia, somos seis famílias numa casa construída para uma. A casa foi feita para os filhos e vieram os amigos dos filhos.
A seguir, os namorados, namoradas ,maridos, mulheres. A pouco e pouco foram vindo os netos,os amigos dos netos. E de sete passamos a 25. 25? Não. Falta o Pai. Agora somos só 24.
Contamos um por um. Quantos somos à mesa? 25? Não. 24, falta o Avô. Fisicamente ele não está. Não comenta a política, as notícias, os livros que lemos, as dificuldades no trabalho, os incompetentes chefes que nos calharam em sorte. Já cá não está. Nunca mais cá estará. E faz muita falta. O Pai morreu faz hoje quatro meses. Está sempre presente na nossa memória. Mas não está em casa.
A fotografia do por do sol foi feita pela Sofia do terraço da nossa casa no dia 12 de Agosto

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

NASCIMENTO RODRIGUES



«Tive o privilegio de conhecer Henrique Nascimento Rodrigues no final de 2001, já lá vai quase uma década.
Fui chefe do seu gabinete durante escassos seis meses, um período curto, é certo, porém suficiente para conhecer aquele Homem de aparência frágil, mas de atitude firme, plena de virtus, a energia interior que Horácio celebrava.
Integro como poucos, sabia bem que os seus valores estavam fora de moda.
Cultivava a modéstia a simplicidade, o olhar directo e amigo, mesmo quando tinha de dizer «não»
Era profundamente patriota. Preocupava-o Portugal, os erros que via nos governos e a fraqueza que apontava às oposições.
Politicamente moderado, era um reformista que acreditava numa sociedade progressista, ainda que o seu conhecimento dos homens e das multidões não raro o desiludissem.
Considerava-se um simples Servidor do Estado.
Não apreciava o espectáculo e a exuberância dos políticos.
Recordo a profunda seriedade e irrepreensível isenção com que Nascimento Rodrigues apreciava as centenas de queixas que cidadãos comuns tantas vezes desesperados, lhe dirigiam, procurando satisfazer os pedidos, resolver os problemas e acelerar as respostas tardias da administração. Dele, podiam os cidadãos confiadamente esperar justiça, equidade e celeridade.
Mas também rigor: quando quem se lhe dirigia não tinha razão, não se lhe dava resposta positiva!
Almoçávamos habitualmente perto da Provedoria. Ao contrário de tantos governantes e simples dirigentes, Nascimento Rodrigues pagava sempre a conta do seu próprio almoço ( nem sempre económico, diga-se…) que era e ele considerava ser uma despesa pessoal. Não me lembro de alguma vez o ter visto «sacar» do cartão de crédito da Provedoria num almoço não decorrente das suas obrigações oficiais de representação externa.
Em Abril de 2002, desafiado a contribuir para o que poderia ter sido a inflexão dos governos socialistas que tanto mal tem feito ao nosso Portugal, entendi ser meu dever partir, o que ele disse compreender, embora, ouso pensar, lamentasse.
Encontrei-o algumas vezes, não tantas como as que desejaria, mas é sempre assim: consumidos pela vertigem do quotidiano, tanta vez esquecemos o que é permanente.
No final do último mandato, ultrapassado largamente o respectivo termo legal sentiu-se prisioneiro de interesses político-partidários que aviltavam o estatuto constitucional do Provedor de Justiça e o amarravam a um cargo que o seu escrúpulo sentia já não dever exercer.
Renunciou no Verão de 2009»


Publicado
por Rui Crull Tabosa no blogue Corta Fitas em 12 de Abril de 2010

sábado, 7 de agosto de 2010

QUISSANGE, SAUDADE BRANCA

Aquela melopeia triste de quissange
na noite negra angolana e doce
parou numa nota repentina.

Não sei se parou a mão que tange
sei que parou e fosse como fosse
parou numa nota repentina.

Ficou-me a angústia de um sonho inacabado
há muito, muito tempo na memória.
Hoje a história traz-me o mesmo sentimento,
melodia interrompida de repente…

Mas foi um toque desafinado de clarim
que veio anunciar o fim.

O pendão cansado de tantas batalhas
murchou como um trapo desbotado
e com ele se fizeram as mortalhas
dos sonhos frustres que tínhamos sonhado

(Poesia de Neves e Sousa, 1976)

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Outubro de 1957



O Henrique inicia a Licenciatura em Direito na Universidade clássica de Lisboa.
Difícil foi a sua integração. Ficava para trás a fácil camaradagem dos tempos de liceu, os espaços abertos da sua Angola, a maneira de estar livre, fraterna e aberta tão característica da vida africana.

«Está a volver um ano que arribei a estas terras do continente. Em boa verdade eu não me acostumei ao ambiente e ao modo de ser da vida metropolitana. »

O 1º ano termina com um «chumbo» na cadeira de Introdução ao Estudo do Direito.
Um pouco perdido num meio que, ele sente que lhe é hostil, agarra-se de novo à escrita.

Procura um meio de publicar aquilo que escreve.
Concorre:
Aos torneios literários organizados pelo Ministério de Educação (1958- 1959).
Ao concurso literário da queima das fitas.
Ao concurso de reportagens do Diário Popular.






É colaborador regular do Diário da Manhã.

E ganha:
Em 1958 o 1º premio de ensaio e o 2º de conto do Ministério da Educação e uma menção honrosa no concurso de reportagens do Diário Popular,
Em 1959 o 2º premio de ensaio e o 2º de conto também do Ministério da Educação.
Em 1959 publica vários ensaios sobre política ultramarina no Diário da Manhã.

Em 25 de Dezembro de 1959 publica num jornal diário: Natal do Meu Sertão
Em 2 de Maio de 1963 o Diário Popular publicado o conto «Vida» ( menção honrosa do concurso de contos).

Um apontamento curioso: do regulamento do concurso de reportagens do Diário Popular constava:

O nosso jornal poderá convidar o autor ou autores das melhores reportagens a ingressar no seu quadro redactorial.

O Henrique era o mais novo dos mais de 520 concorrentes. Tinha 17 anos e foi convidado.
Não aceitou.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Setenta Anos




Faz hoje 70 anos que nasceu o Ouvidor do Kimbo. Embora tenha sido concebido nos longes de Angola, em Cangamba, Luchases, foi no Luena ( antiga Vila Luso) capital do Moxico que veio ao Mundo. E Luena o Henrique ficou.
Os 70 anos que hoje faz foram anos de uma vida cujo valor é publicamente reconhecido.
Para nós, que o conhecemos na intimidade da família, surpreende-nos a descoberta do Homem total que, o rever dos seus textos, dos seus contos, das suas estórias, das palavras dos amigos, nos revelou.
Se nasceu como Ouvidor da sua Terra morreu como Ouvidor da sua Pátria.
A história do Pai não está feita. Continuam as suas memórias, as estórias as saudades.
Muito há ainda por saber do homem que, embora de uma rigidez aparente, tinha um fino humor, era alegre, e tinha um imenso prazer pelas pequeninas coisas da vida.
Por esse motivo não dizemos: ele faria 70 anos. Dizemos ele faz 70 anos, mas é um jovem pleno de energia, de dádivas, de vontade de viver e de amor.

A fotografia que publicamos foi-nos oferecida pela jornalista Rosa Pedroso de Lima do Jornal Expresso e é propriedade de Rui Ochôa

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

LUENA



Mulher Luena (Neves e Sousa)

Luena,
Que tens o andar da onça no sertão
E o gesto bamboleante da palmeira,
Ao cálido soprar da viração;

Luena,
Que tens nos olhos vagos, sensuais,
Essa miragem feiticeira
Das luarentas noites tropicais;

Luena,
Que tens na voz lamentos de abandono,
Como ave da floresta,
Que à noite canta p’ra espalhar o sono…

Luena,
Exótica flor negra e solitária,
Porque és, assim, uma estátua de treva,
Chorando a dor duma viuvez lendária?
-Olha, Tchindele,
A sombra negra desta cor estranha,
Que me envolve a carne e a alma,
Herdei-a das cavernas da montanha.
Embalou-me o feitiço da desgraça:
Desde esse dia…há já mil anos,
Que ando de luto pela minha raça…




(Poesia de J. Galvão Balsa, in “Oiro e cinza do sertão”)

domingo, 1 de agosto de 2010

O Maneta

A passos lentos o homem subiu a escadaria de mármore branco, e abriu a pesada porta de carvalho, que chiou tristemente nos gonzos enferrujados. Na penumbra álgida da grande sala cheirava a bafio, e as poltronas estavam cobertas por lençóis brancos; do tecto despontavam, triunfantes miríades de teias de aranha, e ao centro erguia-se uma mesa rectangular coroada de cinzeiros a abarrotarem de beatas esmigalhadas. Apático, o homem deu meia volta nas botas cardadas, e fechou a porta com lentidão.
Cá fora caíam os primeiros pingos de uma chuva miudinha e irritante, que o obrigaram a aconchegar-se melhor na gola felpuda do dólmen de oficial; e mirando as luzes que se acendiam repentinamente, na rua erma, sentou-se cansado, no parapeito da varanda, riscando um fósforo que lhe iluminou o rosto másculo. Foi então que a medalha de ouro, pendurada ao lado esquerdo do peito, cintilou estranhamente sobre o bolso largo e lhe arreganhou as faces num sorriso de desprezo. Indeciso tacteou-a a medo, com a única mão que lhe restava da aventura de uma guerra, e desprendeu-a do tecido grosso da farda, espalmando-a sobre a pele rugosa. O ouro, faiscando na semi-escuridão em cintilações deslumbrantes, contrastava singularmente com a mão calejada, onde as unhas, sujas e roídas, se assemelhavam a borrões de tinta em papel pardo! E o homem quedou-se a fitar apalermadamente, o estranho conjunto dos cinco dedos da mão, disformes e papudos, com as cinco pontas em estrela, da condecoração. Esquisito contraste de reminiscências, unido indissoluvelmente no destino escabroso da sua vida! Pensativo, franziu as sobrancelhas numa curva harmoniosa, e fez saltitar a medalha pausadamente… Mas raivoso, comprimiu-a, depois, na mão fechada, com uma terrível gana de a esborrachar lá dentro, como se fosse pasta de chocolate!
Dos campos de batalha voltara aureolado de uma onda de glória, no peito ostentando com orgulho desmedido, a maior distinção jamais conferida a um soldado: uma insígnia de cinco pontas doiradas! Mas do lado esquerdo do corpo do homem faltava qualquer coisa: um braço de carne! Desfeito por uma granada, voara num ápice de um minuto, restando-lhe agora um coto monstruoso e grosseirão que o fazia corar até à medula dos cabelos.
Maneta… Um horrível maneta que os outros apontavam chocarreiramente, comparando-o a um espantalho desarticulado que apenas servia para amedrontar pardais; um abjecto manequim, impossibilitado de se apresentar condignamente na sociedade, com aquele vulto esbelto e elegante que outrora passeara como rei, pelos salões engalanados! Tristemente, mordendo os lábios que já tremiam, o homem fitou a outra mão, irmã gémea da despedaçada: cinco unhas porcas e mal cuidadas! Teve nojo e cuspiu saliva para o chão! Tinha sido um herói por perder a mão em combate de bravura, e o mundo em peso aplaudira-o com fanatismo: mas ficara maneta para toda a vida, e a noiva troçara dele sarcasticamente, trocando-o por um boémio de vida airosa. Coisas da guerra afinal… decerto que ela, apesar de ele ser um valente e ter uma medalha de oiro, não o queria assim feio, com uma mão única parecida com a de um carroceiro. Azar! Estúpido azar o seu!
O cigarro lançado com fúria de besta para o ladrilho da varanda, apagou-se lentamente…Na rua continuava a mesma chuva impertinente e irritadiça pingo a gota gota a pingo…
E o homem sentiu as lágrimas correrem-lhe quentes e saudosas, pelo rosto enegrecido ao sol…
Teria valido a pena ser herói? Olhou de novo para o lado esquerdo. aquele pedaço de carne cicatrizada parecia-lhe uma bola de trapos cozida, daquelas que os garotos se servem para dar pontapés ao domingo! E teve ganas de saltar o muro e correr desvairadamente, para perguntar ao mundo se a ilusão de uma noiva e de um braço rasgado, se pagava com um enorme medalhão de honra. Mas impotente, calcando bem fundo a tragédia do seu destino o homem entreabriu os lábios num sorriso de ironia e assobiou com menosprezo absoluto. Ele o herói que não conhecia o sabor amargo da derrota, seria superior até ao fim… E talvez que pudesse vender aquela medalha de cinco pontas, e comprar um novo membro: um fino braço de galante aristocrata, com unhas polidas e maravilhosamente pintadas!

Publicado no Jornal «A HUILA» em 27 de Junho 1957