domingo, 30 de janeiro de 2011

SAUDADES DO AVÔ - 1


O QUE É O DIÁLOGO SOCIAL?

Nas nossas sociedades, reconhecidamente mediáticas, creio que poucas expressões se encontram tão hiperinflacionadas como esta - “diálogo social”.A relevância do termo na agenda político-social da actualidade talvez se explique pela curiosa razão de que ele significa muito e pode comprometer pouco…
Mas o que é o diálogo social?
Porque nesta expressão podem acolher-se procedimentos ou manifestações muito diferenciados, por um lado; e porque, por outro lado, tais variantes podem ter lugar a nível
de empresa, de sector de actividade, de região, ou no próprio plano nacional; e, enfim, porque o diálogo social pode versar uma só temática ou uma pluralidade de assuntos e estes, por seu turno, também podem ser mais circunscritos (por exemplo, apenas a política laboral) ou, ao contrário abrangerem um vasto conjunto de áreas (por exemplo, a política económica e social) - por tudo isto, a que sumariamente faço alusão, é que importa precisar e clarificar a que tipo de diálogo social nos estamos a referir.
Eu diria que, sendo verdade dever distinguir-se e clarificar-se os níveis de diálogo social, os seus objectivos e funções, as suas matérias “apropriadas”-tudo acaba por interligar-se, conexionar-se, inserir-se num enquadramento mais vasto. Este enquadramento é o de uma democracia representativa e participada. Nela, não há um só diálogo social: há expressões multifacetadas deste, do ponto de vista dos seus procedimentos, dos seus conteúdos e das suas finalidades.

DIÁLOGO SOCIAL EM PERMANÊNCIA

Manter um “diálogo social” em permanência é objectivo que praticamente governo algum recusa e nenhum parceiro sindical ou empresarial rejeita. E, todavia, receio que esta invocação generalizada e repetida de apelo ao diálogo social acabe por germinar alguns efeitos perversos. Corre-se esse risco sempre que venha a transformar-se o procedimento do diálogo (porque, medularmente, se trata de um processo ou procedimento) em simples cumprimento de um ritual formalista, com a finalidade de mediatizar para a opinião pública sinais de uma participação democrática, afinal vazia de intencionalidade e oca de resultados.
Ao advertir para o perigo de se poder deslizar para um enquadramento puramente virtual do diálogo social, desejo tornar clara, em todo o caso, uma prevenção, que é esta: o diálogo social não tem que obter, necessariamente e sempre, um resultado concreto, objectivado (por exemplo, num acordo). Como procedimento de intercomunicações de pontos de vista, de troca de informações, de partilha de preocupações, de confronto de opiniões – o diálogo social, que assim se exprima, pode ser muito útil, mesmo que dele não resulte qualquer consenso, nenhum acordo mais ou menos formalizado, alguma deliberação aceite por todos ou pela maioria dos seus intervenientes. É importante sublinhar isto, para que também não se confunda o diálogo social com um processo negocial obrigatório. Não o é necessariamente.

sábado, 29 de janeiro de 2011

ANGOLA SUAS GENTES E COSTUMES

DIÁLOGO SOCIAL TRIPARTIDO



O diálogo social pode impulsionar, apoiar e sustentar o desenvolvimento da economia e a melhoria das condições de trabalho, numa palavra, a modernização da sociedade e o aprofundamento da coesão social.

Por isso, o grande desafio do diálogo social, a meu ver, é o de saber operar uma conjugação harmoniosa entre a cidadania política, a económico social e a cultural. ~


Eis o que é muito fácil de dizer, extremamente difícil de levar a cabo porém. As experiências concretas, mesmo a de países ditos desenvolvidos, aí estão para o comprovar. Porque tudo isto vem implicando uma reconsideração de qual é o papel do Estado, dos chamados “corpos intermédios” ou organizações de interesses colectivos sectoriais, e da autonomia da vontade individual, quer dizer, daquilo que é a cidadania.


Assim chegamos ao diálogo social tripartido, que tem lugar entre o Estado e os parceiros sociais,
mas se circunscreve a modalidades de mera informação, consulta, partilha de avaliações ou troca de pontos de vista, em suma, intercâmbio de opiniões.

A ideia do diálogo social tripartido, não é tão novo e inovador quanto a agenda da “modernidade mediática” pode induzir a fazer-nos crer. Mas é verdade, igualmente, que este princípio da cooperação tripartida foi adquirindo, com o correr dos anos, revelações e concretizações que não se suspeitavam nos seus primórdios

E aqui chego ao ponto fulcral: a concertação social. Mais rigoros
amente a concertação
tripartida.




Excerto da comunicação feita em Março de 2000. Cabo Verde, Cidade da Praia
Ps Postal de São Tomé. ( Dança tradicional). Enviado aos filhos em 1984





sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

GOVERNAÇÃO CONCERTADA

A matriz das nossas sociedades não escamoteia o conflito de interesses (ao contrário: reconhece-o e acolhe-o, procurando geri-lo); mas, justamente porque a sociedade, a economia, os valores, os interesses, enfim, se complexificam, se pluralizam, se entrechocam sob manifestações progressivamente mais multiformes – a sociedade exige ter voz, ter intervenção e participações acrescidas.
Daqui não deriva qualquer utopia de uma sociedade sem Estado. Pelo contrário: é preciso o Estado – como garante da vivência livre e ordenada da própria sociedade e da realização do bem comum.



Simultaneamente, porém, o Estado vê-se confrontado com o reconhecimento crescente de que pode governar melhor se associar os parceiros sociais, (enquanto representantes de vastas camadas da população), à discussão e à implementação de medidas ou de políticas indispensáveis a promover o progresso económico e a coesão social.
Ao aceitar esta parceria, o Estado não perde autoridade – amplia-a e reforça-a pela via do consenso alargado. Por outro lado, ao serem convocados para este nível de avaliação e de entendimento das políticas nacionais de natureza sócio - económica com o Governo, os parceiros sociais assumem um estatuto mais responsabilizante face aos seus associados, e também perante o conjunto da sociedade, bem como um protagonismo que, de certo modo, os compromete em decisões e soluções estruturantes do próprio desenvolvimento do País.

Por isso alguns têm chamado às melhores experiências de concertação tripartida a “governação concertada”.


Excerto de uma comunicação realizada em Cabo-Verde, Cidade da Praia, Março de 2000

LUANDA


Ainda que não sinta mais nada
Senão o vago aroma do que eras…
Quero voltar a ver-te,
Com as tuas casas amarelas
E os teus tectos de cor esmaecida

Ainda que não sinta mais nada
Senão a cor de teres mudado…
Quero voltar a ver-te:
Muito embora cortassem as acácias
Cujas pétalas vermelhas eram sonhos

Ainda que não sinta mais nada
senão o surdo rumor das tuas noites
quero voltar a ver-te,
e o que sentirei, será confusamente,
num sonho do presente a vida do passado

Poesia de Albano Neves e Sousa

HAVEMOS DE VOLTAR

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

A CONCERTAÇÂO SOCIAL TRIPARTIDA


O que está em causa na concertação social tripartida é esquematicamente o seguinte:

Em primeiro lugar - o envolvimento de três parceiros: o Estado, as organizações sindicais e as organizações patronais, através das respectivas confederações em particular.

Em segundo lugar - um envolvimento que implica, “grosso modo”, a discussão “a três”, das políticas económico sociais do País – não apenas, portanto, exclusivamente de um só aspecto dessas políticas, embora tal seja possível e se exercite quando se enquadre um tema concreto num contexto de concepção e implementação de políticas mais gerais, elas próprias previamente consensualizadas.

Em terceiro lugar – um envolvimento tripartido, cuja finalidade não se resume a consultar os parceiros sociais – intenciona ir mais além, isto é a lograr um certo consenso, uma certa aquiescência para as medidas nacionais de política económica e social, e, no limite desejável, um acordo claro, que pode ser formalizado pelas três partes intervenientes na concertação ( mas não, necessariamente, de todos os componentes da parte sindical, ou da parte patronal, nos casos de pluralismo de representação)- e, neste caso estamos perante um pacto social ou um acordo social tripartido

Em quarto lugar - trata-se de uma discussão/ negociação, tripartida, com vista à concepção, implementação e acompanhamento de políticas económico-sociais interrelacionadas, que conduzem à estabilização e /ou ao impulsionamento estratégico do desenvolvimento do País.

Nesta definição fica implícita a percepção de uma enorme mudança dos paradigmas do Estado e da Sociedade: o Estado passa a ser um “Estado - parceiro” ou “interlocutor”; os parceiros sociais continuam a ser representantes (e é exigível que sejam legítimos e representativos) de interesses colectivos sectoriais, mas aquele e estes são pressupostos cooperar na busca de soluções de interesse comum e de natureza geral.




Excerto de uma comunicação feita na Cidade da Praia, Cabo Verde, Março de 2000

 Tela de GUI TAVARES pintor guineense.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

PALMAR


Quando eu voltar quero ficar morando

num palmar á beira d’água:


Um palmar sem domingos
com os dias sempre iguais.


Um palmar com toda a singeleza,
Sem inquietação nenhuma,
Um palmar que seja verde ao Sol!


Quero voltar e ficar assim, morando
Numa quietude suave e tropical!
Num palmar sem domingos….



Poesia de Neves e Sousa




domingo, 23 de janeiro de 2011

PORTUGAL É A MINHA PÁTRIA– A MINHA TERRA É ANGOLA ngola

"Volvamos a mente, em visão retrospectiva, para o conturbado cenário político, que avassalava Portugal, na primeira metade do século XVII. Sem chefes autoritários, sem armada nem exército, sem um comércio marítimo, que fora até então fonte inesgotável de riquezas, a Pátria sufoca em estertor agonizante. E, se na metrópole, a situação é realmente angustiosa, no ultramar, em que à força de golpes de heroísmo se arreigara a nossa soberania, não vai decorrendo a vida em estado normal. Lá, como aqui, adversários implacáveis destroem num dia a soberba obra que custara o suor do rosto lusitano. Que sirvam de exemplo as ruínas do Oriente, onde o domínio dos portugueses caía precipitadamente perante os golpes vibrados pelos flibusteiros.
Tombada uma das derradeiras resistências – a cidade de Ormuz – desfaz-se em chamas o poderio de Portugal no Extremo-Oriente!
Na América, a imensa e prometedora costa brasileira é objecto de cobiça permanente por parte dos piratas holandeses, auxiliados nas suas torpes intenções pelo governo neerlandês que a si próprio se aclamara arauto da liberdade de navegação! Infelizmente os portugueses do Brasil possuíam
fracos meios de defesa, pelo que se tornavam, de ano para ano, como fruto tentador, de colheita rendosa. Mas enganam-se redondamente aqueles que os julgam presa fácil! Se na realidade, as condições de defesa são simplesmente deploráveis, e a negligência vexatória do governo de Madrid nos conduz à decadência ruinosa, há que contar sobre tudo, com um forte espírito nacionalista, com uma alma votada aos mais nobres ideais da Pátria, os quais superam, de grosso modo, as deficiências a que as províncias ultramarinas estão votadas. E neste aspecto a heroicidade do povo Português de além-mar toma foros de epopeia, ao combater, quase sem probabilidades de êxito, um inimigo superiormente armado.
A obra gigantesca da Restauração não se deve só aqueles que na Metrópole enfrentaram o jugo alheio;
Aqui em Angola, brilhante jóia que nunca deixou de fulgir na coroa portuguesa, não foi menos grandiosa a obra do ressurgimento do nosso património. Por estas anharas e sertões, cometeram-se feitos tão fulgurantes, que é justo evidenciarmos o esforço ingente desses bravos colonos, que na terra natal deixaram jaleca e noiva, para em paragens inóspitas desbravarem o solo árido, sob a bandeira das cinco quinas. Difícil se torna apontar mais detalhadamente este ou aquele episódio, porque sem excepção, todos souberam honrar o nome de Portugal."

RAINHA JINGA

A Jinga interessante figura de mulher, não desperdiçava nenhuma oportunidade para hostilizar os portugueses.
Souto Maior convenceu-se de que era absolutamente necessário arredar semelhante obstáculo. E foi assim que ele conferiu o comando da expedição encarregada da desafronta ao Capitão Borges Madureira, profundo conhecedor da região de Ambaca, local onde as operações militares iam decorrer. Tudo começou por um insulto feito a um sobado de indígenas amigos, pela “gentalha” da Jinga, temeridade essa que foi devidamente castigada. Perante este facto, a rainha negra, que mantinha relações de amizade com os holandeses, resolveu aproveitar-se da circunstância para derrotar os seus eternos inimigos. A coluna expedicionária portuguesa tinha ordens terminantes do nosso governador para talar as terras da Jinga, sem preocupações de a fazer prisioneira bastando executá-la” in loco”. Compunha-se as forças portuguesas de 330 homens de raça branca, coadjuvados por 20.000 indígenas, pertencentes ao rei do Dongo, e por algumas centenas de jagas, tribo aliada.A Jinga estava acampada para lá do rio dande, ali tendo construído três pontes para defesa e ataque. O Capitão em chefe das forças militares portuguesas temendo traiçoeira cilada por parte dos insurrectos, continuou a marcha para baixo, até encontrar vau, passando-se então para a margem oposta, onde assentou arraiais. Caia já a noite, e a coluna preparava-se para o descanso merecedor, quando se verificou terrível incêndio provocado pelos batedores da ginga. Por volta da meia noite, um estranho ruído se ouviu na floresta silenciosa, enquanto o gongo soava entre a expectativa geral. Voz rouquenha dava, em nome da rainha dos negros, as “boas vindas”aos portugueses, há muito que ela os esperava; e já tinha posto inclusivamente, as panelas ao fogo, para nelas queimar os corpos dos seus inimigos. Aviso certamente maldoso e terrífico, que não atemorizou, no entanto, a hoste lusitana. E logo que a manhã raiou, a Ginga, muito embora auxiliada por milhares e milhares de apaniguados, sofreu tremenda e retumbante derrota, que por muito tempo fez declinar a sua boa estrela. As armas portuguesas mais uma vez tinham mostrado o seu portentoso valor.








PS Dona Ana de Sousa, (nome cristão da Rainha Jinga), faleceu de forma pacífica aos 80 anos de idade, como uma figura admirada e respeitada por Portugal. Fonte- Wikipédia

BATALHA DE MASSANGANO

Perante a ocupação de Luanda pelas forças da Companhia das Índias Ocidentais, em Agosto de 1641, foi em Massangano que as forças portuguesas se recolheram e onde resistiram até à reconquista por Salvador Correia de Sá e Benevides, em Agosto de 1648. Vamos ler o que o Ouvidor do Kimbo escreveu sobre este acontecimento histórico.

"Massangano, outro foco sempre latente de nacionalismo, pode-se considerar como testemunho eterno da Raça Lusa. Nas pedras da secular fortaleza, cometeram-se feitos tão grandiosos, que a História os perpetuará eternamente em letras doiradas. Adentro das muralhas de Massangano, muitas vezes reinou a fome, o desalento e até a peste mortífera; mas nem por isso os nossos desanimaram, nem franquearam o umbral da entrada em vergonhosa rendição como tantas e tantas vezes se tem constatado. Os assaltantes - e muitos foram - depararam sempre com uma tenaz e imprevista resistência por parte dos sitiados na aringa, que jamais soube o que era o travo amargo da derrota. “FOGO DE MONTURO” lhe chamavam desdenhosamente os holandeses, assim apelidando a resistência portuguesa. Mas o que é certo é que esse “Fogo de Monturo”nunca deixou de queimar em labareda vivaz, e arde hoje dentro de nós em admiração profunda por essa nobre pedra tumular dos portugueses de Angola, soldados desconhecidos mas eternos, que não permitiram que, nesta florescente terra – a mais portuguesa de todas as províncias portuguesas - tremulasse outro pendão, que não fosse a Eterna e Gloriosa Bandeira Verde Rubra " Três excertos do discurso, proferido na “Ceia dos Estudantes”, comemorativo do 1º de Dezembro aos 30.11.1956 ( Lubango- antiga Sá da Bandeira- Angola )



MASSANGANO


Quando a noite cai em Massangano


os mortos erguem vozes dos covais


gritando dores de morto desengano...


Dentre as ruinas esguias, as visões


alongam braços de treva descarnada,


e sons de orgão na igreja abandonada


rangem ouro e sangue aos borbotões!


Ramos de cruzes, grilhões de prisioneiros


canhões de aventura e sonhos legendários


ressurgem estes mundos visionários


da memória dos antigos prisioneiros.


E o vento sul melancólico e vibrante


leva envolto em si a nostalgia


do burgo antigo presente mas distante




Poesia de Albano Neves e Sousa

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

A DOIS RITMOS

O de dentro e o de fora.
O presente e o de outrora.
O passado e o agora.

Saudade e alegria. Felicidade.

Ter sido filha, de si.
Ter sido Amada, por si.
Te-lo chamado Pai.

Não há ai que valha.

Vale muito mais o amor
Do que a muralha que agora nos separa.

A 2 ritmos.



No de dentro, lento,
Estou eu pequena, miúda,
E ainda ouço a sua voz chegando a casa...

No de fora, o de agora,
Nem sempre sei onde estou
Ou porque vou
E procuro em salvação a sua asa...

Saudade do ritmo de dentro de mim.
Saudade de si.
E alegria.

Quem diria poder senti-la depois de partir?
Mas sinto.
Quando paro e reparo
O quanto de mim é seu.

Obrigada Pai





Sofia Nascimento Rodrigues

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

CRISE DO SINDICALISMO?


A história demonstra-nos como o sindicalismo foi, em tantas ocasiões, um baluarte da liberdade e um motor da justiça social.

Não falta quem fale de «crise do sindicalismo» e alguns apregoam, até, o seu apagamento progressivo.
As grandes mutações económicas, as inovações tecnológicas, as migrações profissionais, novos valores e modos de organização produtiva e de comportamentos alteraram o mercado de emprego e tem contribuído para conduzir, nuns casos à perda de efectivos sindicais, noutros casos, à persistência de situações de fragilidade sindical.
Não partilho, todavia, a opinião de que se deva falar de crise do protagonismo sindical.
O seu papel como agentes de mudança positiva é indispensável e deve ser estimulado.
É impossível negar, no entanto, que hoje, a acção do sindicalismo é política, ou tem grandes repercussões políticas.
Até onde deve ir essa evolução por forma a que ela não altere a fisionomia do sindicalismo como movimento autónomo?
É sempre importante que os sindicatos sejam verdadeiramente independentes, quer do estado, quer de outras organizações de natureza e funções diferentes.
Só assim ganham credibilidade acrescida e podem captar o apoio de mais vastas camadas de trabalhadores sobretudo das gerações jovens, porque estas estão sempre abertas às grandes causas da liberdade e da justiça, e porque é importante para o futuro da democracia envolvê-las, desde cedo, no exercício empenhado da própria democracia.
Não é vantajoso retardar ou bloquear as transformações sócio – económicas, porque a prazo, os custos serão mais pesados.
Mas é necessário, em contrapartida, consensualizar as transformações julgadas úteis.
A concretização desse entendimento entre governos, sindicatos e empregadores restabelece os equilíbrios, relança a confiança colectiva e gera impulsos decisivos para o desenvolvimento.
Nas sociedades actuais, percorridas por múltiplos canais de interesses sectoriais e atravessadas por uma cadeia multiforme de actores sociais, a lógica da interdependência e da solidariedade dos interesses deve vingar quer sobre o estatismo carismático quer sobre a conflitualidade feroz dos egoísmos que impedem o progresso em harmonia e na justiça.

Excerto de discurso proferido em Genebra, 3 de Junho 1992

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

SÃO MEUS ESTES RIOS


São meus estes rios
que buscam caminho
rastejando entre luar e silêncio,
sombra e madrugada,
até ao fim marítimo.
A minha alma está neles,
líquida e sonora
como a água entre o quissange das pedras,
o anoitecer nas fontes.
Tenho rios vermelhos e quentes
na minha dimensão física,
rios remotos, remotos como eu.



Manuel Lima, poeta angolano
Na fotografia, ( Luanda 2006), em casa do Joaquim Ferreira

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

TESTAMENTO- POEMA DE ALDA LARA

domingo, 16 de janeiro de 2011

DESEMPREGO DOS JOVENS

"O desemprego dos jovens ilustra, no fundo este questionar, não de valores fundamentais da Democracia - porque são perenes – mas, sim, dos condicionamentos, dos comportamentos, das visões e das respostas que as nossas sociedades estão a deixar alastrar, diria que frequentemente, sem sinais de um sucesso perdurável.
O desemprego dos jovens não é mais do que um aspecto do problema mais global do desemprego.
Deve-se-lhe atribuir um alto grau de atenção, mas julgaria acertado, também, fazer relacionar as consequências, para os jovens, do desemprego de longa duração dos pais, eles próprios afectados sobretudo nas sociedades pós-industriais, por vagas de desemprego, causadas pela revolução tecnológica, pela internacionalização da concorrência, pela globalização das economias, pela dessincronização operativa e temporal das políticas governamentais, a nível nacional ou à escala supra-nacional.
Nuns ou noutros casos, com causas nem sempre idênticas, com perfis estruturais por vezes diferentes, com perspectivas de evolução não coincidentes, a verdade é que as nossas sociedades, sejam mais, ou menos avançadas economicamente, quase todas elas esbarram com a persistência senão o agravamento, de elevadas taxas de desemprego.
Muitos têm referido, a propósito do insucesso no combate ao desemprego, que o paradoxo é o do crescimento económico sem correlativo aumento de taxa de empregabilidade. Será só este o paradoxo? Talvez haja outros."Excerto do Discurso proferido pelo presidente do CES Português durante o IV Encontro Internacional dos Conselhos Económicos e Sociais Maio 1995

sábado, 15 de janeiro de 2011

CONSEQUÊNCIAS DO DESEMPREGO

"As consequências humanas do desemprego são evidentes.
As sequelas sociais derivadas da perda progressiva da identidade pessoal e dos laços comunitários estão diagnosticadas: desagregação da estrutura familiar, aumento da criminalidade, da prostituição, entrada no mundo da droga, abandono ou insucesso escolar, subida dos índices de doenças do foro psiquiátrico ou físico – para só mencionar algumas evidências.
E estas implicam, ou ficam implicadas, noutras consequências não menos graves: xenofobismo, racismo fundamentalismo de vária ordem, no fundo, a intolerância face aos outros.

Por detrás, perfila-se um cenário de luta entre homens, a que, tecnicamente se deu o nome de “dualização” da sociedade.
É por um lado, a oposição entre os mais qualificados e com empregos “em carteira”, e os menos qualificados, vulneráveis ao desemprego, ao emprego precário ou destinados ao mercado de actividades informais ou tarefas clandestinas.
Mesmo dentro da camada previsível de empregabilidade, descortina-se já outra fractura: entre uma “elite” do saber e uma faixa de meros executantes ainda que habilitados.
É por outro lado, a oposição que desponta entre os contribuintes dos sistemas de protecção social e os beneficiários das respectivas prestações, cujo número aumenta por força da tendência demográfica de alterações nas estruturas familiares, ou devido à “cascata” de exclusões induzidas por mudanças estruturais.
Coloca-se, aqui, a questão dos custos acrescidos no funcionamento destas despesas, que não é um problema apenas técnico (todavia difícil), mas uma questão de sociedade – logo, uma questão política.
Perpassa-me, por isso, a sensação de que o problema do desemprego, incluindo o dos jovens, exige uma mudança individual e social. E esta implica o desafio de reconciliar o Estado e o cidadão, o económico e o social, o mercado e o trabalho, o ambiente e a terra, os valores de identidade histórica e a descoberta de direitos e deveres novos que recoloquem o homem como pólo de liberdade e de realização de si próprio e dos outros.
Em síntese: há necessidade de uma diferente e operativa harmonia entre o político, o económico, o social, o cultural, e o ecológico, criativa de valores de civilização duradouros e não, apenas, de modas passageiras.
Esta é uma questão política central na hora presente. Sem uma mudança cultural não haverá solidariedade social no respeito pela liberdade.
Eu preferiria dizer de outro modo: liberdade significa solidariedade social, a solidariedade social significa liberdade.

A mudança cultural implica assumir conscientemente e praticar responsavelmente os valores implícitos nesta visão."
Maio de 1995

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

PROTECÇÃO SOCIAL EUROPEIA

"Nas sociedades europeias ocidentais, aquilo que pode designar-se como “modelo social”comum é generalizadamente encarado como um avanço histórico.
Sem embargo de correcções a introduzir-lhe, de acordo com escolhas democráticas, o certo é que os cidadãos destes países recusariam abdicar do essencial que caracteriza a protecção social europeia.
Como, porém, resolver o conflito de objectivos, que se traduz na crise dos défices públicos, na necessidade das empresas serem competitivas sem se transformarem em “vulcões de despedimentos” na obrigação do Estado garantir segurança e justiça sem se tornar omnipresente, burocrático e castrador das pessoas e da própria sociedade civil?
Como deixar desenvolver-se a liberdade realizadora de cada um, quando, afinal, o individualismo crescente dos cidadãos, gerado pela perda de valores de autêntica solidariedade social, exige “mais e mais” do Estado, de quem, aliás, imediatamente desconfia, critica e foge para, a seguir, lhe exigir mais prestações?
Como afirmar a autonomia vivificante das instituições, organizações e associações privadas de representação de interesses, que são o rosto do corpo social, quando, não raras vezes estão dependentes também de subsídios e apoios do Estado e, não pouco frequentemente, reclamam destes intervenções em favor de sectores e grupos que representam mas cujos custos oneram inevitavelmente os orçamentos públicos?
Não pretendo significar que tudo isto seja sempre assim nas sociedades pós-industriais porque a cultura dos respectivos povos não é a mesma.
Há tradições mais civilistas nuns casos, há hábitos societários mais dependentes do Estado noutros casos.
Ou seja, aqui e ali, a sociedade civil afirma-se face aos poderes públicos com mais vitalidade e independência; acolá, essa mesma sociedade carece, quando não se subordina aos apoios estatais.
O problema coloca-se também, porventura timbrado por outras causas, por exemplo, a dívida externa, a pobreza endémica, a intromissão de interesses e modas que conduzem ao enfraquecimento de valores culturais de identidade própria: Numa palavra, a insegurança de quem começa a perder a memória das suas raízes e não descortina o norte que delas deve brotar.
Os valores e os comportamentos, quer dos cidadãos, quer das suas organizações representativas, diferem muito, consoante estes contextos."

IV Encontro Internacional dos Conselhos Economico e Sociais e Instituições Similares
Excerto do discurso proferido pelo presidente do CES Português.
Assembleia da Republica. Sala do Senado. Maio 1995

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Parlamento e Concertação Social

Os chamados “pacotes laborais”perderam já a roupagem mitológica tecida de medos e incompreensões, e também a vestimenta de malha de combate medieval com que os estigmatizaram e enrouparam propositadamente durante anos, certas forças partidárias e algumas correntes politico - sindicais conhecidas.
Isto demonstra, afinal, que o País foi amadurecendo e não se deixa embalar tão facilmente pelo alarido do criticismo oco e pelo ruído das manifestações espontânea.
É imperioso, porém, que o País permaneça atento e lúcido a questões tão importantes como estas.
Porque afinal, a legislação laboral encerra valores fundamentais, como fonte de realização do homem.
E também implica objectivos de progresso social e de modernização e desenvolvimento económicos de que constitui um instrumento reconhecidamente decisivo
O coração do nosso regime democrático pulsa, sem dúvida, na Assembleia da República.
O Conselho Permanente de Concertação Social é também uma instância democrática.
Aliás, as confederações nele representadas são as organizações consideradas mais representativas e foram fundadas e existem pelo voto democrático dos seus filiados.
O Governo tem assento no mesmo conselho e emerge do voto dos Portugueses em eleições legislativas.
Estamos, assim, perante instituições indiscutivelmente democráticas, situadas, porém, em planos diferentes com distintas atribuições.
Ora, se um pacto social, assinado no âmbito da Concertação Social, necessitar de conformação legislativa que exija uma decisão positiva da AR, defendo que a esta cabe toda a legitimidade para a denegar. Legitimidade política e legal.
No entanto, entendo igualmente que o Parlamento, ao votar, por razões não estritamente jurídicas, contra as medidas legais indispensáveis ao cumprimento de um pacto social, responsabiliza-se politicamente pelas consequências desse voto.
E essa responsabilidade deve assumi-la sem equívocos.

Acontecerá, neste contexto uma discrepância crispada entre a legitimidade democrática parlamentar e a legitimidade democrática da concertação social?
Seria desejável que não existisse. Nas modernas sociedades plurais torna-se necessário um esforço permanente de concertação. Este não se suscita e se torna exigível, apenas, adentro das clássicas fronteiras das relações laborais.
Parafraseando, atrever-me-ia a dizer, até que a concertação é o novo nome da paz e do desenvolvimento, em matérias e áreas que já abraçam o mundo novo que desponta aos nossos olhos.

Excerto de “Artigo de opinião” publicado no Diário de Notícias a 2 de Abril de 1991

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

PORQUE ESCREVI


"Este texto foi escrito nos dois dias seguintes ao meu Pai morrer.

Tive que o colocar no papel para não me esquecer dele. Tive que o colocar no papel para lhe dizer (a ele e a mim) tudo o que me ia na alma. No final senti-me sereno e em paz com a minha vida e com a morte dele.

Os próximos tempos vão ser difíceis mas os que virão depois ainda mais difíceis, pois a sua memória irá fugindo.

E por isso escrevi. Para que eu não me esqueça. Para que os meus filhos possam saber um pouco quem ele foi e aprender com o seu exemplo. Para que os meus sobrinhos no seu caminho possam também ter um testemunho do tio que com ele se fez homem.

Para que os meus irmãos e a minha mãe possam descansar um pouco no sorriso das nossas memórias.

Para que quem quiser aprender com o seu exemplo lhe possa falar sempre que quiser.

E para eu poder continuar a viver ao som do seu pulsar."


Foi o Nuno que escreveu….por todos nós.

O Henrique deixou-nos no dia 12 de Abril de 2010 às 8 horas e quarenta minutos.

Faz hoje nove meses.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Angola Bela

CANSAÇO

Não me digam como é
Porque eu sei tudo.
Da verdade e da mentira,
Da compaixão e da ira,
Do fiel e do traidor
E sobretudo
Do fingidor

Sou o que sou
Porque nasci diferente.
Um destino a cada um.
O meu foi viver na frente
Sofrer, amar loucamente,
Ser tudo menos comum.

Cansado de vós eu ando
Há muito por esse mundo.
Não sabeis o que é sonhar.
Perder tudo num segundo,
Assistir sem blasfemar
Ao fim de nós mais profundo.



In, “GÓLGOTA” do poeta L.N. Ferraz de Oliveira, Poemas Épicos, 1985

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Explicando

O termo “Concertação Social” é utilizado no meu País para designar uma negociação tripartida ao mais alto nível, ou seja entre Governo e parceiros sociais.

Essa negociação visa a obtenção de um acordo triangular ou pacto social sobre matérias de política económica e social.

A Concertação Social tem constituído, antes do mais, um excelente processo de aprofundamento da Democracia.

A expressão “Diálogo Social” também é usada, mas tem um sentido mais aberto e fluido.
O diálogo social caracteriza qualquer tipo de contactos e conversações, seja entre as três partes, seja apenas entre parceiros sociais, com vista ao conhecimento e aproximação de pontos de vista e uma melhor compreensão das respectivas posições.
Todavia, o diálogo social, não visa necessariamente, a obtenção de acordos expressos e formais.

Sempre estimei que o diálogo e a concertação social são expressões, das mais significantes, de maturidade democrática.

Extracto de uma comunicação subordinada ao tema “ A Concertação Social em Portugal”
Rabat 18 de Abril 1996

sábado, 8 de janeiro de 2011

Vou levar-te comigo (Duo Ouro Negro)

DEDICATORIA

Aos que
“Entre gente remota edificaram
Novo Reino que tanto sublimaram”




Aos que por lá morreram
Na indiferença
E no esquecimento
Dos que nunca foram.
Aos que regressaram
Sem as mãos manchadas.
Aos que não traíram,
Aos que não pediram louvores,
Aos que lá deixaram
Pedaços de alma imaculada.
Aos que deram, sem preço, até ao fim.
Aos que tudo perderam
E nada receberam.
Aos que pela sua devoção
Sofreram inveja, injustiça,
Incompreensão.
Aos que lutam galhardamente
Porque acreditam eternamente.

Aos que sofrem por antever
Sem nada poderem fazer.

Amen.

Do Poeta /Médico L. N. Ferraz de Oliveira in “GÓLGOTA” – Poemas épicos 1985

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Homenagem à diáspora Portuguesa (África no século XIX) parte 1

A epopeia, verdadeiramente assombrosa, de tenacidade e sacrifício, amor pátrio, e lealdade, é a obra do colono português, anónimo desbravador da brenha virgem, gente humilde e sem crónica definitiva, que, ao arroteamento das terras entregou de boa mente, parte da sua existência quase desconhecida e toda a sua nobre alma de aventureiro.
Ele foi, na maior parte das vezes, um pioneiro abnegado, emérito pelejador sem história, cujo nome é sempre votado à lei do esquecimento, o que, todavia, não foi razão para que o seu trabalho ingente deixasse de vingar e obter resultados irrefutáveis
Esse género de colonização lusitana, autêntico gigante que derrubou, machadada a machadada, o emaranhado da selva inóspita, não temeu a agrura de uma vida diferente da do seu torrão natal e, de peito aberto à mais sublime idealização, ousou desvendar um segredo milenário e de lenda, para erguer, com esforço titânico, um Portugal Ultramarino, lançando em bases sólidas pelas remotas partidas do globo.

Homenagem à Diáspora Portuguesa (África no século XIX)

Emagreceu-se-lhe o rosto com a fome;
bronzeou-se-lhe a pele à torreira do sol dos trópicos;
calejaram-se-lhe os dedos ao romper o solo duro – mas não vacilou um só instante o seu alto engenho de infatigável trabalhador e de português de têmpera.
Intrépido e valoroso, suou as asperezas de um ambiente hostil, alçou-se por cima da desilusão, sofrida de início, e não temeu em erguer bem alto, a par da Cruz e da Espada, um império colossal, jóia preciosa do nosso património, de que faz parte esta portuguesíssima terra de Angola.

Obra de semelhante natureza não se edifica sem sacrifício: leva dezenas de anos a florescer, custa o suor do próprio rosto e, muitas vezes, a vida que Deus nos deu. Mas é esta afinal, magnífica e portentosa, a obra do colono Português
.

19.1.1957 Sá da Bandeira Liceu Nacional de Diogo Cão (O Ouvidor do Kimbo tinha 16 anos de idade)




Actualmente, Cidade do Lubango, Escola de Ensino de Base II Nível, Mandube
.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

A ANHARA


Chata, grande, sem fundo
sem arvores nem flores,
apenas com gavetos espetados
de longe em longe…

Sublinhando a linha
inesperada e lívida
dos morros de salalé…
jaz, a anhara fatal
onde morrem os destinos!

Marcas de pés na areia
são rastos de humanidade
que por ali passou…

Vinda do vazio além
indo para o além vazio,
sem ter pontos cardeais
nem caminhos encontrados,

A anhara fatal sou eu
os passos, fui eu que dei,
na caminhada que fiz
a mim próprio perdi…

(Poesia de Neves e Sousa, 1958)

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Luanda Antiga

domingo, 2 de janeiro de 2011

Colonização Portuguesa em Angola

Falar da colonização portuguesa em Angola é desbobinar, na tela do presente, o vitalismo de um Povo que, na ribalta do passado, soube radicar no solo virgem da África infinita o tique inconfundível da sua própria personalidade.
Angola é toda ela, aliás, um longo rosário de contas, cada qual desafiando quase a mesma tradição, os mesmos usos e anseios que a Mãe – Pátria encerra.
Da saudade que restou da abalada para uma terra de ninguém e da memória de um lenço branco que fica a acenar, lá ao longe, no cais, não pode rezar a história.

Houve que desbravar-se o mato denso, abrir-se o caminho pelo aglomerado espesso da vegetação e erguer-se os tectos dos primeiros abrigos.
Foi necessário amimar os campos e amanhar as terras, que o solo era virgem e não compensava à primeira sementeira que lhe atirassem.

Depois, surgiram as primeiras horas de amargura a arrefecer o sangue quente de um espírito aventureiro
Na verdade, eis a geada que vem queimar, numa só noite, o trabalho regado por suor de meses; a praga maldita de gafanhotos a destruir, num ápice, uma esperança que prometia fruto; é a semente de trigo que não germina, porque o solo é falho de adubos, e são as chuvas e o granizo, num coro desvairado de entraves, a retardar a labuta incansável pelo pão de cada dia. O pobre colono, alma esfarrapada por tanta desilusão contínua, vem sentar-se à soleira da sua cabana, mirando, apático os longes da terra sem fim…
Um facto é porém evidente: se na época atribulada dos primeiros tempos de trabalho, o colono tem resolvido desertar, sem dúvida que, à emigração pessoal, se seguiria a debandada colectiva e viria, então mais um malogro, a juntar a tantos outros, mais o desmoronar de uma probabilidade que se tornou, depois, em certeza consoladora
.
E nesta perseverança e tenacidade inigualáveis do camponês anónimo está afinal, o âmago do mistério da portentosa epopeia colonizadora do Português, que ao mundo assombra e faz cismar outros povos ultramarinos.
Matem-lhe as ilusões que, à partida, alimentava doidamente; leve-lhe a morte a mulher que com ele partilhava do leito conjugal; que o destino lhe roube, numa noite de borrasca, as espigas loiras que campos além já namoravam a face do céu - pois ele ainda assim, quedar-se-á hirto e rijo, o rosto molhado de pranto sentido e a boca a rebentar pragas de raiva, mas, de para si, murmurando como num sonho:
Morra um homem… morra um homem, caramba, mas fique a obra!”
Na verdade, a Obra ficou do homem; o Homem,… esse ficou na OBRA!!!
Lisboa 1958