segunda-feira, 29 de agosto de 2011

UM ESTOICO ?

Este pequeno texto revela a alma e a essência do Henrique. O modo como toda a vida encarou as adversidades: com dureza, fechado em si próprio, sozinho, numa muito dura fuga em frente, sem mostrar nem amargura nem sofrimento - fosse físico ou moral.

Quando, no último ano da sua vida, lhe dizia:” não vás, ainda não estás em condições de sair,” respondia-me invariavelmente: “sabes muito bem que não posso, tenho a secretária cheia de processos.” Não desiludir quem nele acreditava, ver reconhecido o seu trabalho, manter o comando e o respeito da sua equipe, foi sempre uma característica muito própria, e que está bem patente nas linhas que escreveu, após a primeira grande desilusão da sua vida.

"Desde que me chumbaram, tenho uma vontade louca de lutar. Lutar, pura e simplesmente Uma luta que me obrigue a tirar de mim próprio, sem ajuda, os pedaços necessários para me erguer de novo. Para eu renascer nessa luta. Ser eu próprio, com as minhas desilusões, com a minha ânsia de vencer, de me impor a bem ou a mal. Está certo, eu falhei pela primeira vez na minha vida. E lutei sozinho, afinal. Lutei sozinho desde o minuto seguinte à fixação da pauta, até hoje, até amanhã, até ao momento em que possa mostrar a toda a gente que eu sou eu e mais ninguém é como eu. Eu lutei sozinho para me encontrar como eu era, lutei para não me desviar do meu caminho e estou certo de que o estou conseguindo. Eu não caí. Eu não baixei a cabeça em sinal de desfalecimento, antes a ergo mais alto, porque o orgulho enorme que sinto pela minha forma de reagir e de lutar supera o orgulho que qualquer pode ter por tirar 13 ou 14 a Introdução. Eu serei capaz de tudo, menos de uma coisa: apagar a nódoa que tombou, fazer toda a gente ter a mesma admiração que tinha por mim. Sei que isso é impossível. Um chumbo sobre os ombros é uma carga demasiadamente pesada para quem é brioso. E só sinto isto. Que me roubaram alguma coisa: talvez a fé que eu tinha na fé que tinham por mim.

Eu preciso encontrar à minha volta um ambiente de confiança; preciso de trabalhar para os outros, de erguer uma obra que os outros admirem, de lhes dedicar essa obra. Gosto de tornar as pessoas felizes com o que faço, gosto que me entusiasmem, que me digam sinceramente só que eu posso. E indiquem-me algo para fazer que eu consigo-o. Consigo-o, de certeza."

Lisboa Outubro de 1958

domingo, 28 de agosto de 2011

DE ANGOLA- A ÚLTIMA VEZ

Eis a última carta que te escrevo de Angola. Nem calculas a tristeza com que o faço, uma tristeza que eu não sei porque a tenho.

Nos outros anos, sempre parti relativamente bem disposto, como se apenas fosse dar um passeio à metrópole e sempre levei a certeza inabalável de que havia de regressar. Porém desta vez isso não sucede.

Não há dentro de mim certeza alguma de que hei-de regressar. Não levo a certeza de que volte a ver os meus pais, pelo menos brevemente, e ninguém sabe também o que é o futuro de Angola

Não saio de Angola nada satisfeito com o que vi e com o que pressinto. Então, agora, com o que se está a passar no Katanga, as preocupações avolumam-se e internacionalmente não se vislumbra indício de que a borrasca amaine.

O nosso caso vai voltar a ser discutido na ONU e cá estamos todos de prevenção, pois bem sabemos o que isso pode significar. Enfim, a situação está longe de se normalizar e eu já começo a convencer-me que não será pela força das armas que nós voltaremos à paz antiga.

O futuro para nós é algo de muito incerto e tudo pode ficar desfeito em menos tempo do que se supõe.

Queria tanto ter já o meu curso nas mãos! Sempre era um meio de defesa. Enfim, não vale a pena preocuparmo-nos em demasia com estas coisas.

Sá da Bandeira 21 de Setembro de 1961

sábado, 27 de agosto de 2011

MEUS VENTOS DE MAREAR

de manhã

ao por do sol

vejo meus dias

passar

nesta encosta

esquecida

debruçada

sobre o mar

vento norte

vento sul

meus ventos

de marear

libertem

o meu amor

e deixem-mo

cá ficar

EQUILIBRIO TOTAL

Hoje estou tão cansado que tu nem fazes ideia.

Apetecia-me ir dormir e não pensar em nada do que me preocupa.

Têm-me restado muito poucos momentos para pensar, reflectir e escrever como antigamente.

E tenho pena, porque era uma maneira de desabafar e de me reencontrar comigo mesmo. Mas este ano - e parece ilógico, não? – tem sido muito mais movimentado do que o anterior.

Daqui, que me tem escasseado o tempo para sentir e pensar. Às vezes fico pensando no meu futuro e não posso deixar de reconhecer que o mais provável é que quando iniciar a minha carreira na vida, muito poucos momentos dedicados a mim próprio hei-de ter.

Assim há em mim – há tanto tempo que te disse! – duas pessoas.

Sempre esperei e talvez continue a esperar que as duas se equilibrem, mas por vezes penso que uma delas há-de acabar por vencer a outra.

E se a que vencer for aquela que olha mais à acção do que à reflexão, à prática do que ao sentimento, ao movimento do que à estabilidade – então é bem certo que eu poderei talvez vir a ser alguém na vida, mas o que não serei jamais é a mesma criança!

Qual delas vencerá? Só o futuro o pode dizer.

E disse - Equilíbrio Total

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

MÊS DE AGOSTO

Agosto;

De saudades,

De lembranças.

Memórias;

Recordações,

Doutros tempos,

Doutras eras,

Doutros dias.

Sempre Agosto!

Namoramos,

Escrevemos,

Casamos.

E juramos:

Na saúde,

Na doença,

Na tristeza,

Na alegria,

Na abundância,

Na carência.

Em todos os dias

Da nossa vida,

Até que a morte

Nos separe.

Agosto;

Férias,

Ausência!

Cartas,

Promessas!

De nunca mais,

De para sempre.

Hoje,

Ao fim da tarde,

Estaremos juntos.

Vamos cumprir

Agosto

Na eternidade.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

SEMPRE AMIGOS


De Lisboa, desde 1964

TRABALHAR COM QUALIDADE

A qualidade do investimento e do trabalho são fundamentais.

, porém muitos investimentos estratégicos e estruturantes pouco qualificados, em que se delapidaram muitos recursos a eles afectados…

investimentos que se suportam em práticas de degradação social, concorrência desleal, o que evidencia o enriquecimento de alguns, mas engendra o empobrecimento de muitos.

Em qualquer caso, resulta fragilizado o potencial económico e social do País.

Finalmente, também muito, muito trabalho, mas sem qualquer aproveitamento, exactamente por falta de qualidade bastante.

Só vale a pena investir e trabalhar, pois, com qualidade!

Mas é necessário que a qualidade seja protagonizada por todos e os seus resultados acessíveis a todos os que nesse esforço participem.


Lisboa, (Hotel da Lapa) 15 de Março 1995.

Intervenção proferida na abertura do Forum “Recursos Humanos 95”

AMIGOS PARA SEMPRE

De Madrid para Lisboa, 9 de Abril de 2010

MUDAR SEM TRAUMAS

A reestruturação de vários sectores do tecido económico nacional é um imperativo inadiável. E, de entre eles, a do sector dos portos, pelo seu papel de “pulmão”circulatório e pelo seu carácter geo - estratégico.

Já ninguém, hoje, tem dúvidas que o grande desafio a vencer é o de colocar o nosso país nas melhores condições de competitividade com outros países.

Temos, para isso, (nas actuações e espaços de agilidade, na obtenção de resultados e de ocupar zonas de inovação), que alterar processos de organização empresarial e de gestão de recursos humanos, de rentabilizar investimentos produtivos, de acabar com procedimentos burocráticos e anquilosantes, de apostar na qualificação dos homens, de ganhar a batalha da qualidade nos produtos e serviços que prestamos.

Não saber mudar, seria morrer. Mas é preciso saber mudar sem traumas.

Lisboa, 12 de Julho 1993

Excerto do discurso efectuado por ocasião da assinatura do “Pacto de Concertação Social no Sector Portuário"

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

AMIGOS DE SEMPRE

Amigos, desde os tempos de Sá da Bandeira. Amigos de sempre, e, para sempre.
Depois do dia 25 de Abril de 1974, muitos Angolanos escolheram o Brasil para viver.
Florianópolis, (Estado de Santa Catarina) 28 de Setembro 2005

MATALA: COLONATO E BARRAGEM

Aqui me tens já de regresso da Matala e felizmente bem. Achei que seria interessante conhecer o colonato e a barragem.

O pior é que me sinto ainda cansadíssimo da viagem, pois não é impunemente que se fazem 600 kms em tão curto espaço de tempo. Para mais, parece-me que já não estou acostumado a viajar por estas “estradas” e não calculas como sinto o corpo: é como se me tivessem batido. Tivemos umas pequenas “panes” ao longo do percurso, o que tornou a viagem ainda mais fatigante. A Matala não me impressionou grandemente. No campo do trabalho agrícola, gostei mais do que da Cela, mas em construções e beleza não há duvida que a Cela é superior.

O que me impressiona é gastar-se tanto dinheiro com estas obras de povoamento e termos tão poucos colonos.

Sá da Bandeira 11 de Agosto de 1961

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

AFRICANO NEGRO / AFRICANO BRANCO



Luanda, 2006 , com o Provedor de Justiça de Angola, Dr. Paulo Tchipilica










Genebra, O.I.T. 1992 com o Presidente da Zambia - Presidente Frederich Chiluba

O MEU ENSAIO - AFRICANOS BRANCOS

Comecei a trabalhar num ensaio. A minha tese é provar com argumentos sérios e não apenas sentimentais, que os negros não são autóctones de África, mas, sim, invasores, tal como os brancos, portanto. Nesta medida, não é legítimo que a África seja só para os negros.

Quanto mais estudo a matéria, mais dúvidas encontro e, então acerca do problema histórico da origem dos povos bantos estou quase a zero, pois pouco ou nada percebo de paleontologia, zoologia e outros “ia” que são indispensáveis para a compreensão global do problema. Toda a informação sobre a origem dos negros é esparsa, pouco fundamentada e já começo a encontrar teorias contraditórias. O pior ainda é a pouca atenção que se tem dedicado a este assunto, pois os autores, na sua maioria, passam por alto sobre ele, limitando-se a fazer vagas referências. Ora como eu não sou historiador, mais dificuldades encontro para apurar a verdade. Sempre me meto em cada uma! O que me parece é que não está certo fazer um ensaio torcido; ou encontro a verdade, ou, só sentimentalmente, não vejo que seja um ensaio, por essência racional, a forma adequada de defender a nova tese. Um dos livros que tenho é editado pela “Presence Africaine”, nitidamente nacionalista e racista; como não podia deixar de ser, diz que os Bantos são autóctones, classificando de colonialistas todas as teses que pretendem atribuir-lhes um berço estranho à África. É um livro parcial, mas a verdade é também que os autores ocidentais não focam de forma categórica a origem extra - africana dos negros, antes se embrulham em hipóteses que não podem ter um valor científico. Enfim, parece-me que, a querer fazer trabalho honesto e fundamentado, tenho ainda muito que procurar, e concretizar.

Tenho estado a ler outro livro, sobre matéria de atribuição de nacionalidade, o que é importante para o meu ensaio e para matérias que irei dar no 5ºano, na cadeira de Internacional Privado.

Estou muito desolado com o que li até ao momento, pois a conclusão a que se chega presentemente nesta matéria é de que os Estados não estão vinculados por quase nenhumas regras de direito internacional, sendo, portanto, a atribuição de nacionalidade praticamente da competência interna dos Estados.

Tenho que fazer também uma consulta às Constituições Políticas dos novos Estados Africanos para observar o critério seguido na atribuição da nacionalidade.

A novidade que tenho para te dar é que o Padre Miranda Santos me propôs que fizesse o ensaio que tenho em mente, que ele, por sua vez, tudo tentaria para que ele fosse publicado em livro, ou por alguma editora ou pela própria revista. É evidente que a proposta me é sugestiva, pois, como ser humanamente vaidoso, ser-me-ia muito agradável ver um livrinho da minha autoria… Mas, por outro lado, o prazo que me dão vai só até fins de Janeiro, o que me parece muito pouco para tal trabalho; as fontes de informação que tenho são restritas, nunca fiz algum ensaio deste fôlego, e acima de tudo, tenho o estudo. Não sei, francamente, quais sejam as minhas possibilidades de levar a bom termo esta tentativa. Mas vou tentar fazer alguma coisa. Enfim fiz uma vaga promessa de que em Setembro de 62 talvez tivesse o ensaio pronto. Sairia com toda a certeza um ensaio original se a História e o Direito confirmarem as minhas ideias. Mas, se não confirmarem, lá se vai tudo por água abaixo e é preciso começar por outro lado.

Assim sendo, ainda não descobri bem o caminho pelo qual, juridicamente, possa atacar os nacionalismos negros por não considerarem como cidadãos dos novos Estados os africanos brancos.

Setembro 1961

sábado, 20 de agosto de 2011

CECÍLIA (TETA LANDO)

TRÊS AMIGOS

Mangualde, 12 de Abril de 1996

O MEU COLEGA ADVOGADO

Outro dia estive a falar com um colega meu, advogado bastante novo ainda. Estivemos a conversar sobre o curso e a profissão. Disse-lhe que de princípio queria entrar para a magistratura e ele esclareceu-me o assunto. Se é verdade e correcto o informe, as coisas serão assim: acabado o 5º ano, requeiro a minha entrada como Sub - delegado em qualquer comarca da Metrópole. Estarei nessa situação a praticar durante 6 meses sem vencimentos. Acabado esse tempo, vou a concurso – se os houver - e desde que seja aprovado no concurso e haja vagas entro como delegado. No caso de conseguir colocação em Angola – presentemente, isso é muito fácil, pois há 6 comarcas vagas – entro a ganhar cerca de 8 contos, com casa do Estado.

Achei tão maravilhoso que nem acredito ainda! Claro que é necessário que eu seja aprovado no concurso com nota razoável, e, sobre tudo que haja vagas em Angola, e consiga a minha colocação aqui. Sei que presentemente isso é fácil, mas também me lembro que vamos desencadear todos os esforços para normalizar Angola, e, nesse caso, a existência de vagas na magistratura é incompatível com esse desejo. É mesmo uma das coisas que está a acarretar críticas severas essa inexistência de delegados em 6 comarcas. Mas, enfim, se a sorte estiver do nosso lado, pode ser que eu cá venha parar e o ordenado de 8 contos é “qualquer coisa”para começo de vida.

Eu só peço a Deus que me dê trabalho e trabalho que seja remunerado dignamente. Sei que na Metrópole estão advogados recém-formados a vegetar com 1.500 a 2 contos por mês e só essa lembrança me aterroriza. Meu Deus, não podemos perder Angola! Creio que eu não seria eu, se tivesse que trabalhar na Metrópole. Depois de 4 ou 5 anos na magistratura, saio e vou advogar por mim. Em Sá da Bandeira por exemplo há uma espantosa carência de advogados.

Nem quero pensar nisso!!! Não sei mas depois desta conversa, até comecei a estudar com força redobrada! Não quero pensar evidentemente em perdermos Angola.

Sá da Bandeira 20 de Agosto 1961

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

A DEMOCRACIA E O DIÁLOGO SOCIAL

Ser livre está impresso na alma dos homens. O aumento inevitável do ritmo da circulação das ideias, das pessoas e das mercadorias, e o avanço difusor de imagens e de vozes de toda a parte, que é potenciado pelas novas tecnologias, vão quebrar as resistências do obscurantismo e despertar cada vez mais nas consciências a ânsia imemorial de paz, de liberdade e de Justiça.

É verdade, portanto que a democracia ganha caminho.

É inquestionável também que o clima político mundial sofreu transformações enormes e insuspeitáveis até há poucos anos.

Todavia, Democracia não significa apenas ausência de ditadura.

As liberdades que ela postula só são reais, e não meras caricaturas, quando exercidas num Estado de Direito, o que pressupõe o império da lei e o primado da Justiça.

Lisboa, 26 de Junho 1992

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

SAUDADES DO AVÔ (8)

Há 10 anos, na Casa da Takula - 3 de Agosto 2001

terça-feira, 16 de agosto de 2011

AQUI PELO SUL

Aqui acabaram com as milícias e as patrulhas. Vive-se em completa paz, uma paz que os olhos vêm, mas eu não sei se os olhos não nos enganarão. Se nos quiserem atacar, as portas estão abertas, como se diz. Esta mesma negligência custou-nos, no Norte, para cima de um milhar de vidas. Parece que a lição não nos serviu de nada.

Cá pelo Sul, parece que nada de anormal se passa em Angola! É como se o Norte não nos pertencesse! As pessoas fazem a vida de sempre talvez até mais pacatamente, pois à noite não se vê vivalma nas ruas. Eu acho que toda a população devia estar mobilizada, pelo menos moralmente. Se houver uma surpresa, os civis não têm preparação. Cada um devia saber o que fazer em caso de necessidade. Como as coisas estão, o mais provável é que cada um se meta debaixo da cama, logo que haja algum alarme.

Parecemos estar mais longe dos acontecimentos que na metrópole. Não sabemos de nenhuma novidade, além do noticiário radiofónico.

Já foram reocupadas diversas povoações e pelas notícias depreende-se que os terroristas estão a apanhar em cheio. Contudo… contudo o tempo das chuvas aproxima-se e estamos longe da pacificação total, ainda que fosse relativa.

Rádio Brazaville noticiou que estavam no Congo ex-Belga (onde por certo lhes farão a necessária doutrinação) cerca de 100.000 refugiados pretos de Angola. Ainda que o número possa ser exagerado, é de admitir que estejam muitos . Teremos por certo, que consentir no seu regresso, e nessa altura é muito provável que já venham com ideias avançadas. Há muita gente que está a ficar optimista com as vitórias que o exército tem conseguido ultimamente.

Não me deixo embalar por esse optimismo, porque acho que a etapa mais difícil ainda está para vir. Já te disse que por aqui se vive, na aparência, como antigamente. Esta gente até se alheia do que vai pelo Norte! Mas o problema é mais difícil do que se crê. Não vejo possibilidades de uma emigração em grande escala; pelo contrário, o que se nota é …imigração. E isto é certo: façamos o que fizermos, não nos aguentaremos muitos anos só com 200.000 brancos. É um impossível lógico. Ora, supondo que ainda podemos aguentar-nos por mais 5 ou 6 anos, como é que nesse espaço de tempo vamos meter cá dentro 500.000 brancos, mínimo imprescindível?

O discurso do Adriano Moreira não foi, por cá, acolhido com muitas manifestações, pois em relação à população branca poucas reformas traz. As juntas de povoamento há muitos anos que deviam estar criadas e a nossa economia está tão mal que se duvida que elas possam canalizar imediatamente para Angola os milhares de europeus de que necessitamos.

Por muito bons que sejamos jamais aguentaremos Angola e Moçambique com este número de europeus ou pouco mais. E se não se enfrenta categoricamente esse problema, eu não ponho as mãos no fogo.

Não sei, e, com a campanha internacional contra nós, não lhe vejo jeitos de as coisas correrem bem.

14 de Agosto 1961

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

NAMBUANGONGO E QUIPEDRO

Em 15 de Março de 1961, a UPA/FNLA assalta e queima povoações e fazendas no Norte de Angola. Actos de verdadeiro terrorismo, não poupam civis, crianças, europeus ou africanos, mulheres ou idosos. Em nenhuma dessas localidades existia guarnição militar. A reocupação do Norte inicia-se pois com os efectivos existentes, mais o reforço de 3 companhias. Em Abril desse ano, Oliveira Salazar, que passa também a titular a pasta da defesa, lança a célebre frase”- para Angola rapidamente e em força”- . O resto da história é conhecida.

São estes os factos que estão na base dos dois textos que editaremos de seguida.

"Luanda pareceu-me uma cidade calma. Aparentemente, tudo na mesma, apenas, claro, certo movimento a mais de militares, mas todos desarmados,

No Norte, as coisas ainda estão muito feias, mas operações militares parecem estar decorrendo satisfatoriamente, embora de vagar.

Envio-te um jornal para poderes fazer uma ideia da situação em Carmona.

Entusiasmaste-te muito com a tomada de Nambuangongo e Quipedro. É uma importante vitória militar, e também psicológica, mas olha que não nos devemos deixar levar por optimismos. Esta guerra, ao que ouço dizer, vai durar ainda muito tempo e só Deus sabe se ela chegará a ter um fim bom e honroso.

É verdade que a situação tem melhorado gradualmente, mas o estado de revolta é quase total e os problemas são gravíssimos. Quem está de Luanda para baixo vive como antigamente, mas o Norte dizem-me está despovoado de indígenas, a colheita de café só atingirá 10% (10%!!!) e nem o problema nº1- o militar parece poder ter uma solução a curto prazo.

Os terroristas adoptaram agora a táctica do "aparece-desaparece" e as tropas nem lhes põem a vista em cima.

A verdade é que ninguém com quem tenho falado consegue apresentar um plano satisfatório. E, depois, o meu grande receio é de que o ódio já se tenha entranhado entre as raças. Se isso aconteceu, ou se isso acontecer, então é bem certo que não há solução possível. Ainda recentemente foi morto um chefe terrorista, de etnia bakongo, – Teta Lando- que possuía uma fazenda de café, conta no banco e automóvel descapotável. A sua situação económica era, portanto, melhor que a de centenas de brancos. Porquê então terrorista? Eu penso que é só por ambição e ódio racial. E quando as revoluções se fazem na base destes sentimentos, a guerra é interminável e injusta. Muitas vezes tenho pensado na razão, pela qual, os pretos estão virados contra nós com um ódio tão entranhado. Eles têm sofrido derrotas formidáveis e nem assim se compenetram de que lhes convêm renderem-se. Enfim o futuro dirá."

25 de Agosto 1961.

Imagem- Povo Banto do Norte de Angola

sábado, 13 de agosto de 2011

NOSSA SENHORA DO MONTE

ANGOLA É NOSSA

LUBANGO- SENHORA DO MONTE

Fui com a minha mãe à procissão. Fomos a pé até à Senhora do Monte. Estava bastante calor e era um grande estirão, não obstante só nos termos incorporado em frente da nossa casa, ou seja, ao pé da Pousada Turismo. Gostei imenso da procissão, sobretudo pelo significado que revestia, e que era o de se pedir à Virgem a paz para Angola. Quando chegamos lá acima à capelinha, tocaram a marcha “ Angola é Nossa”; vieram-me as lágrimas aos olhos, porque na procissão íamos pretos e brancos e mestiços e tudo em redor em paz; lembrei-me do Norte… lembrei-me do futuro… e senti tanto como o mundo por vezes é ruim. Porquê em Angola toda não havia a mesma paz? Não, não há.

Pelo contrário, as perspectivas, são más. Outro dia foi assassinada na Humpata uma senhora branca; ontem foi morto um contínuo preto das O.P. e que nos era fiel. Serão indícios? Na Rodésia do Norte, com já deves ter ouvido nos noticiários, eclodiu também uma onda de terrorismo e nós temos fronteiras com ela… No dia em que essa fronteira for violada não sei o que poderá suceder. Por seu turno a Niassalandia quer separar-se da Federação das Rodésias e constituir-se em país de negros exclusivamente. Ora a Niassalandia entra como uma flecha pelo território de Moçambique. Seja como for, cada um tem de empregar todas as suas forças no seu trabalho. Nós no estudo, os soldados na luta os operários no trabalho – todos têm que cumprir.

Sá da Bandeira 13 de Agosto 1961

Imagem- Lubango, Raparigas com flores

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

SETE CHAVES GUARDADAS

8h40minutos. São 16 meses hoje. Meses, dias, horas sempre iguais. Incredulidade e surpresa em cada nascer do dia. Espanto em cada momento, saudade, que se concretiza em permanência com o correr do tempo. Ausência, neste enorme hiato entre o passado e o presente. Hoje, e, há 16 meses, a espera do reencontro!

Procuro-te;

Estou sozinha neste caos instalado à minha volta.

Caos de alma,

de sentidos, emoções, recordações, doutro tempo,

doutro espaço.

Vivido, sentido, sonhado, lembrado

e guardado,

como um tesouro, que fechei a sete chaves lançadas

no infinito

do meu ser, do meu querer, e, do meu crer.

Sinto-te;

Agora, só me acompanha a saudade das gaivotas

ao por do sol.

Da lua cheia e das estrelas que brilham nesta varanda onde vivias

teus sonhos.

Por mim sentidos, vividos, sonhados, guardados, contigo.

Podes vir.

Retomaremos a nossa infância e adolescência, o nosso amor

Vivido.

Lembrado, sentido, sonhado, mantido, transmitido,

Legado.

E as sete chaves guardadas, lançadas

na eternidade.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

HUMPATA, TCHIVINGUIRO E BRUCO.

Fui passar o fim de semana a uma fazenda que uns amigos têm a cerca de 80 km daqui, no sopé da Chela, mas do lado de lá. Saímos à tarde e lá fomos pela Humpata, Tchivinguiro e Bruco. O Bruco é das coisas mais espantosas que tenho visto em Angola. Não há palavras para descrever aqueles precipícios, aquelas serras, aquela vegetação toda! Muitíssimo superior à Tundavala. Mas sem comparação! É qualquer coisa de primitivo, de bruto mas ao mesmo tempo portentoso. Basta dizer que atravessar o Bruco só de jipe e com reforço. De outro modo é impossível. Vale a pena o sacrifício e o perigo daquele caminho cavado positivamente na rocha para ver uma das paisagens mais deslumbrantes que se pode olhar. O Bruco merecia ser conhecido por todo o mundo e não ficaria nada a dever aos “Canyons” dos E.U.A. Tanto à ida como à volta não pude filmar bem, pois já era ao entardecer, mas talvez lá voltemos um destes fins de semana e então filmarei melhor. Passado que foi o Bruco andamos mais uns km até chegarmos à fazenda. Também gostei mais deste tipo de fazenda do que das fazenda do Norte. Talvez porque agora se dá mais valor à terra e aos seus recantos de paz e tranquilidade; talvez porque a paisagem seja de facto mais bonita do que a do Norte – o certo é que me senti imensamente feliz por me proporcionarem este passeio. Assim que chegamos fomos para a varanda da casa, estiraçamo-nos em cadeiras de baloiço e, com uma cerveja na mão e o rádio a tocar baixinho, ali ficamos a apreciar as serras que circundam a fazenda e a ver o luar a despontar. É lindíssimo.

Havia paz, silêncio, beleza. Há muito tempo que não sentia esta Angola, há muito tempo que não encontrava nada de parecido. Nem nos mexemos das cadeiras! Para quê? Momentos assim são raros. Uma grande varanda, um silêncio quase absoluto, um luar deslumbrante e as montanhas ao longe! Sobre tudo a tranquilidade, o cantar dos grilos, os pequenos ruídos do mato. Enfim, acabamos por ter de ir jantar e foi lautamente – o velho churrasco com batatas fritas! Depois, demos uma batida pelo mato à procura de caça. Não atirei. Também não tive pena, porque com aquele luar enorme, a caça avistava-nos de longe e fugia.

Sá da Bandeira 27 de Agosto 1961

Imagem -Mulher da Humpata

terça-feira, 9 de agosto de 2011

UM DOMINGO IGUAL AOS OUTROS

Hoje é Domingo e foi aqui um Domingo igual aos outros. Acabei de dar a crónica voltinha de carro. Subimos a rampa até quase à capela da Nossa Senhora do Monte. É a primeira vez que vejo Sá da Bandeira à noite iluminada. É realmente bonita, vista assim. Parece maior e deve ser uma das cidades mais bem iluminadas de Angola. Quando rebentaram os acontecimentos no Norte, o Governador decidiu iluminar os arredores da cidade. Ficou assim beneficiada a terra, quer sob o ponto de vista estratégico, quer estético. Como vês as notícias são poucas. Passo o dia a estudar e a ler. Assisti a um colóquio sobre problemas ultramarinos e também a uma conferência do Paulo Cunha.

Ao ouvi-lo tive vergonha de saber tão pouco sobre os assuntos que dizem respeito a Angola, tive vergonha de estudar tão pouco, não só Direito, mas tudo, tudo, porque se Deus nos deu qualidades, é um crime desaproveitá-las.

Gostava de ser mais estudioso, mais culto, mais… sei lá, o que sei é que tenho de trabalhar, imenso para ser alguém.

Comecei a trabalhar num ensaio. A minha tese é provar com argumentos sérios e não apenas sentimentais, que os negros não são autóctones de África, mas, sim, invasores, tal como os brancos, portanto. Nesta medida, não é legítimo que a África seja só para os negros.

Falei com o nosso antigo professor de História sobre isto e ele concordou inteiramente comigo e ficou todo entusiasmado com a ideia. Emprestou-me uma série de livros, (em francês), sobre a pré – história de África, que me vão dar muito trabalho para os ler, mas eu gostava de fazer um trabalho bem documentado. Não achas que a tese é aliciante?

Sá da Bandeira 23 de Agosto 1961

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

VALORIZAÇÃO DOS RECURSOS HUMANOS

A valorização dos recursos humanos não se “decreta”, embora os decretos tenham uma função importante na definição das políticas e dos programas de acção da Administração Pública, enquanto estimulantes de uma iniciativa privada sadia.

A valorização dos recursos humanos não se “compra”, embora o dinheiro tenha uma função capacitadora e organizadora dos meios necessários à execução dos programas de acção.

A valorização dos recursos humanos não se respira, não se ingere, não se injecta, embora o ambiente, as condições em que é vivida, sejam determinantes dos seus resultados e da extensão social que a envolve.

Ainda por cima, este ambiente, estas condições favoráveis, não são geriveis tecnocraticamente, como se se tratasse de um fenómeno físico-químico.

A valorização dos recursos humanos compromete cada cidadão em função do futuro que quer para si e para o País. Todos somos chamados a melhorar o nosso saber, saber - fazer e estar, para participarmos na sociedade com a qualidade que nós próprios devemos exigir e nos é também exigível.

Lisboa, 15 de Março de 1995

domingo, 7 de agosto de 2011

METÁFORA DE SOLIDÃO


Minha saudade
infinita,
Minha dor
sem solução,
abraça teu corpo
inteiro,
envolve-o
na multidão.
O vento
sopra baixinho,
mas parece
um vendaval.
trás um perfume
de sombras,
e, lança-o no areal.
A lua,
em quarto crescente,
ao olhar-me
com pudor,
pergunta a todo o instante
onde está
o teu amor?
Resposta,
essa,
não sei;
Lubango?
Quitexe?
Benguela ?
Luanda?
ou talvez não!
Pergunto à estrela que passa,
Onde?
meu corpo de sombras?
E a brisa
que o vento trás
diz à minha solidão:
Eu transporto o seu perfume;
vais rever
seu coração.!

LUBANGO 1961

Durante o exercício da sua actividade política e técnica, teve sempre uma grande preocupação: pensar os problemas dos outros, senti-los, vivê-los na sua mente, e contribuir para a sua resolução. Foi assim, enquanto jurisconsulto ligado ao Direito do Trabalho, quando contribuiu para o nascimento de um sindicalismo livre em Portugal, quando lutou pelo diálogo social, quando esteve ao serviço da OIT, quando exerceu os dois mandatos como Provedor de Justiça, e, quando se manteve em exercício de funções, esgotado que estava o tempo do seu mandato. Os problemas dos outros eram mais importantes que o seu próprio problema. A Instituição que tutelava, era mais importante que a sua própria saúde. “Prefiro emagrecer, cansar-me, ficar doente : quero apenas, cumprir o que devo.”Estas palavras, disse-as, no dia em que fez 20 anos. Foram os pilares da sua vida. Por elas morreu cedo, mas morreu cumprindo o seu dever.” Todos nós temos uma missão a cumprir ."

Só então teve o direito de sonhar!

"O problema dos rapazes, que, sem qualquer curso, vivem em Sá da Bandeira, é terem uma vida inútil e vazia. É sempre a mesma coisa: dar umas voltas de carro, tomar um café, discutir banalidades: o futuro é o presente: trabalho de burocracia, ordenado certo, o escândalo da senhora de tal… fulano e sicrano… Eu também gosto de uma vida pacata. É mesmo a única coisa que eu desejo. Mas eu quero uma vida pacata e não vazia; uma vida tranquila, mas não banal; eu quero o meu lar, tu e os meus filhos, mas sabendo que estou a construir algo. Eu quero viver e não arrastar-me na vida. É estranho: eu sinto e compreendo esse problema e todavia, não consigo transpô-lo para o papel. Há uma quantidade enorme de questões que eu sinto profundamente e a que não consigo dar expressão escrita. Como aqui o tempo me sobra eu penso. Penso e, sobre tudo, sinto. É bom uma pessoa sentir os problemas, vivê-los na sua mente. Mas melhor seria se eu conseguisse escrever sobre eles e apresentá-los ao público anónimo. Eu gostava de saber escrever bem, eu gostaria de dar forma aos problemas humanos. Talvez assim ajudasse a construir um mundo melhor. Porquê durante tantos anos não quisemos, ou soubemos, compreender os negros e, hoje, quando queremos voltar-nos para eles só encontramos ódio e desconfiança? Será que o coração do homem não sabe perdoar? Porque morreram crianças de berço que nunca fizeram mal nenhum? Porque que é para mim matar é crime e para e para outros matar é uma consequência? Todo o homem tem um problema e os problemas precisam de ser compreendidos para poderem ser resolvidos.

É preciso que cada um tente compreender o outro; mas é tão difícil e deixamo-nos levar pela exaltação de momento… E, depois, dentro de cada homem há uma permanente contradição. Eu não sinto ódio por nenhum homem e a sua cor de pele e o meu desejo mais profundo era que todos nós pudéssemos viver como irmãos, mas, quando penso nos bárbaros que mataram crianças, eu já, concretamente não sinto o desejo de perdoar, antes me avassala a indignação. Teoricamente, um crime não se paga com outro crime, uma injustiça não pode ser seguida por outra injustiça - mas na prática não pode ser assim, é quase impossível fazê-lo. O mundo tem cada problema! Como eu gostaria de ser um grande escritor para aproximar os homens através do que escrevo ."

13 de Agosto de 1961

sábado, 6 de agosto de 2011

VISITA À PRISÃO – SÁ DA BANDEIRA, AGOSTO DE 1961

1961 foi o ano do início da Guerra Colonial em Angola. Muito do que o Henrique escreve, nesse ano, durante as férias “grandes”, está, como não podia deixar de ser, ligado aos acontecimentos da região norte de Angola, desencadeados pela UPA de Holden Roberto.

"Hoje fui fazer uma “visita” a uma cadeia, onde estão presos 230 pretos acusados de prepararem no Sul acontecimentos terroristas. Deu-me na cabeça ir vê-los… e fui mesmo. Não calculas a impressão que me causou a visita à prisão. Primeiro, apanhei um susto formidável porque entrei, com o aspirante, numa das celas onde estavam 150 pretos, e, nem sequer íamos armados… Só depois de sair é que verifiquei que tinha sido uma imprudência da nossa parte. Depois, eu nunca tinha visitado uma prisão e aquele amontoado de homens, sem as menores condições de higiene e comodidade, chocou-me. Fiquei a pensar no porquê deste mundo assim, em que os homens precisam de se matar uns aos outros. Gostava de perguntar a cada um daqueles presos porque razão nos queriam matar, gostava de perguntar-lhes se eles não compreendem que os homens devem viver em paz. Quando saí estava triste. Olhei em volta e vi Sá da Bandeira dormindo, a noite calma, o silêncio em redor.

E foi tão flagrante a ideia da morte, que eu fiquei com medo. Medo… todos temos mas é preciso dominar o medo dominar-nos a nós próprios, vencer. Temos que estar consciencializados, temos que lutar pela vida, porque em todas as partes do mundo os homens lutam permanentemente, e nós precisamos de nos habituar.

Talvez o mundo de amanhã seja um mundo melhor, mas não o será por certo, se nós não dermos o nosso contributo, e esse contributo requer estudo, vontade e fé.

Todos nós temos uma missão a cumprir.

Sinto que só poderei ser um homem útil à minha terra e à humanidade se estudar, se me consciencializar, se me dominar e se desejar ser alguém. "

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

ORAÇÃO PELAS FÉRIAS

Dá-nos, Senhor, depois de todas as fadigas,

um tempo verdadeiro de paz.

Dá-nos, depois de tantas palavras,

o dom do silêncio que purifica e recria.

Dá-nos, depois das insatisfações que travam,

a alegria de um barco nítido.

Dá-nos a possibilidade de viver sem pressa

deslumbrados com a surpresa

que os dias trazem pela mão.

Dá-nos a capacidade de viver de olhos

abertos,

de viver intensamente.

Dá-nos de novo a graça do canto

do assobio que imita a felicidade aérea dos

pássaros,

das imagens reencontradas,

do riso partilhado.

Dá-nos a força de impedir que a dura

necessidade

esmague em nós o desejo

e a espuma branca dos sonhos se dissipe.

Faz-nos peregrinos

que no visível escutam

a secreta melodia do invisível.

José Tolentino Mendonça in “UM DEUS QUE DANÇA”

UM NOME


O único dote que possuo é uma grande vontade de ser alguém, mas isso não é dote que se possa mostrar. De facto que posso eu mostrar senão a minha cara de garoto? Que posso eu mostrar senão uns olhos que olham direito, sem medo? Quando o meu pai morrer, apenas ficarei com o seu nome e acho que é a maior fortuna que ele me pode deixar. Rapaz com nome – onde está o meu nome, senão entre gente modesta, que nos conhece, pois as pessoas da sociedade nunca terão o desgosto de me encontrar entre elas.? Eu tenho a minha personalidade e nem os meus pais a modificarão. Não é por isso com as opiniões alheias que eu me vou interessar, porque eu só faço aquilo que entendo.

Sá da Bandeira 20 de Setembro de 1960

Imagem - 2008 , fim do 2º mandato como Provedor de Justiça. Apresentação de cumprimentos ao Presidente da República

LUBANGO 1960

Cá estou é verdade… e nem sei o que dizer-te de tudo quanto sinto, mas é uma grande saudade o que me invade: saudades dos meus tempos de criança, onde tantas coisas boas vivi, saudades da minha capa, saudades… eu sei lá! Tenho vontade de fechar os olhos e pensar que, ao abri-los, eu estou a sair lá de cima, de casa do Administrador, e virei por aí abaixo, garoto sonhador….

Quanto eu daria para poder voltar a sentir tudo quanto ficou irremediavelmente para trás! Oh, sim, queria estar de novo vestido de capa e, depois, sair ao “deus-dará” por essas ruas poeirentas (agora asfaltadas!), sem rumo, só para sentir a noite, olhar a lua, sonhar e reviver! Mas não: o tempo passa, tudo passa afinal.

O destino encarregou-se de pôr as coisas como elas deviam ser!! Isso não impede, porém, que eu tenha saudades: saudades do que senti: aquilo que hoje não posso sentir. E o que é? Fico a pensar no que tanta falta me faz. Não sou feliz? Que ideia! Não pode ser isso. Ah!, não, há uma coisa que não volta mais: é a meninice. Sim, disso é que eu tenho saudades e pouco importa saber que hoje eu sou mais feliz do que ontem.

A meninice… essa ninguém ma pode voltar a dar! E tudo isso ficou para trás… Olhei outra vez os sítios onde vivi, onde senti, onde pensei, e tudo está diferente, até eu talvez o esteja. Não, é bem verdade que o tempo não perdoa.

Não mais há-de viver aquela criança que eu fui, não mais há-de passar por estas ruas aquele moço com a cabeça cheia de sonhos. Dissemos adeus a Sá da Bandeira quando daqui saímos: foi um adeus para sempre.

Sá da Bandeira 27 de Agosto 1960

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

“DESCULPAS DE MAU PAGADOR”


O Henrique sempre defendeu a responsabilidade individual no "fazer" e "fazer bem". Exigia essa responsabilidade a si próprio e aos outros. Aos filhos dizia: " Para os melhores há sempre lugar".

Mudar de vida, passa também por aqui: deixar de atribuir aos outros a responsabilidade que é de cada um.


"Melhorar o saber, fazer com qualidade em todos os planos da nossa dimensão humana,

- a profissional

-a política

-a social e outras

é a isto que se reconduz o compromisso de cada um com a valorização dos recursos humanos. É um compromisso na escola, na empresa, no lazer, na participação cívica que a todos deve ser proporcionada.

É uma valorização dos recursos humanos que nos questiona todos pelo que fazemos e omitimos, pelo que deixamos os outros fazer e omitir.

A qualidade dos nossos empregos, dos nossos meios e ambientes de vida dependem desta nossa participação, desta nossa exigência pessoal e exigência para com os outros. Se a não alcançarmos, de nada servirão as culpas de terceiros para acomodarem as nossas próprias desculpas

-sobre o emprego

-sobre a falta de qualidade e produtividade

-sobre os baixos salários ou salários em atraso

etc., etc.,"

Lisboa, 15 de Março de 1995

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

FAÇO HOJE VINTE ANOS

Faço hoje 20 anos. Vinte anos é uma idade em que o sonho vai ficando para trás para dar lugar às responsabilidades.

Por isso, talvez, eu não viva o dia de hoje com aquela alegria e aquela inconsciência dos aniversários passados.

Tenho a vaga sensação de que em mim a criança deu lugar ao homem, isso impressiona-me, naturalmente, mas estou seguro de que lutando contigo a meu lado poderemos construir o nosso futuro.

A vida é o que está em frente e não o que ficou. As preocupações não resolvem nada: o que temos é que encarar as coisas como elas são e não pensar senão no exame que nos espera. Não podemos ter descanso porque o tempo é escasso; por enquanto, não podemos sonhar.

Só te peço que encontres em ti as forças necessárias para lutar sempre pela vida. Ela não é fácil por isso temos que encontrar dentro de nós a vitalidade suficiente para nunca desanimar.

É isso que eu quero que tu me prometas. Desaires, todos têm e nós não podemos escapar-lhes. Mas há que lutar, lutar com todas as forças, porque o resto… o resto virá!

Prefiro emagrecer, cansar-me, ficar doente, mas o curso hei-de tirá-lo! Tenho vergonha de mim quando não estudo o suficiente. Não pretendo ser um grande aluno. Quero apenas, cumprir o que devo.

Quero mostrar a mim próprio que posso sonhar porque tenho esse direito. Quem não luta não tem direito a ter sonhos. Temos que renunciar a determinadas coisas que nos agradam para nos dedicarmos a outras. É assim agora enquanto estudamos, será assim depois, sempre.

Nunca te esqueças, a vida é renúncia de uma coisa para se conquistar outra. Se não quisermos acreditar, se quisermos continuar a viver tudo ao mesmo tempo, então acabamos por não agarrar nada.

Luanda 3 de Agosto de 1960